Ao deixar, em dezembro, o comando na Alemanha exercido nos últimos 16 anos, Angela Merkel levou consigo um buquê de elogios – e deixou o temor de um vácuo de poder na União Europeia, com o fim de sua liderança histórica. Teve, também, despedidas menos diplomáticas, como a da ex-ministra de Relações Exteriores da Espanha e ex-vice-presidente do Banco Mundial Ana Palacios, em artigo na imprensa: “a estratégia liderada pela Alemanha, de aguardar, até que tempos desesperados permitissem medidas desesperadas, manteve a União Europeia intacta; mas também possibilitou ao bloco evitar a tomada de posições claras sobre questões importantes.”
Mesmo na dúvida sobre quem assumirá a liderança da Europa, é possível prever algumas consequências para nós, abaixo do Equador, dessa nova etapa na História do continente europeu.
Analistas esperam de seu sucessor, Olaf Scholz, político de centro muito experiente, certa continuidade do pragmatismo de Merkel, com maior disposição para tomar riscos na direção de sua ambição de unir e fortalecer a atuação da Europa na cena mundial. Marcado, a princípio, pela fidelidade à politica ortodoxa na economia, Scholz foi, por duas vezes, ministro de Finanças de Merkel, e, no cargo, deu impulso a propostas de aumento na taxação de grandes empresas e sustentou esquemas de proteção governamental de salários e empregos privados durante a crise financeira e a chegada do Covid.
Em sua coalizão partidária, o novo chanceler alemão fez da defesa do meio ambiente um dos pilares de sua coalizão governista e buscou no aliado partido Verde lideranças com forte militância ecológica para sua vice-chancelaria (que terá atribuições amplas na execução da política ambiental) e para seu ministério de Relações Exteriores.
Os países de maior relevo no bloco têm impulsionado os acordos multilaterais para enfrentar a mudança climática. Na França, Macron, que enfrenta em breve uma campanha eleitoral, deve reanimar críticas e represálias contra os exportadores agrícolas competidores dos europeus, como o Brasil, que acusa de elevado desmatamento associado à produção agropecuária.
Desavenças no novo “pacto de estabilidade” fiscal para manter a coesão europeia; desafios na relação com a Rússia e a China, e no esforço de posicionar-se na disputa desta com os EUA; ondas da pandemia e continuidade da pressão de imigrantes, tudo isso conspira contra uma ação mais coerente e assertiva da liderança europeia no cenário internacional. O problema Putin, na Rússia se confunde com outro desafio, o de garantir o provimento confiável de energia à Europa, especialmente na Alemanha, até agora disposta a manter o projeto do enorme gasoduto Nord-Stream, que aumentará a dependência europeia do gás russo.
O ambiente político perturba o esforço de falar pela Europa numa só voz. Iminentes eleições na Itália também devem roubar atenções do primeiro-ministro italiano, Mário Draghi, ex-presidente do Banco Central Europeu, outro nome que chegou a ser cotado para o papel de referência da União Europeia desempenhado até recentemente pela ex-chanceler alemã.
A transição para a economia verde, aliás, estava no topo da pauta na visita que, em sinal de deferência, Scholz fez à Itália em uma de suas primeiras viagens. A Europa será firme contra um Brasil leniente nessa área, esteja no comando da máquina continental europeia um líder ou um triunvirato.
Outro tema comum é o crescimento da extrema-direita, nos calcanhares de todos os principais líderes do bloco, e na gestão da Hungria e a Polônia. Os verdes na direção da nova coalizão governante na Alemanha já pressionam para manifestações mais firmes em relação a Rússia e China. França e Itália, até como mensagem para seus públicos internos, são sensíveis a essas pressões.
Não estamos entre as principais ameaças à unidade europeia; mas certamente estamos no radar dos europeus. A depender das escolhas políticas e econômicas a serem feitas pelos brasileiros em relação ao próprio país, uma Europa mais atenta à transição para uma economia de baixo carbono e menos leniente com aventuras autoritárias pode fortalecer demandas protecionistas e afastar potenciais aliados em nossas demandas – políticas e econômicas – na esfera global.
* Sergio Leo é jornalista, consultor e especialista em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB).
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2022 (39ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP).
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