Economia foi bem no terceiro trimestre, mas o quadro para o futuro continua incerto
O crescimento da economia brasileira no terceiro trimestre saiu melhor que a encomenda. As estimativas apontam para uma expansão na casa de 9% em relação ao trimestre anterior, feito o ajuste sazonal. Além da reação ao tombo violento dos três meses anteriores, quando houve o impacto mais forte da pandemia, o efeito do auxílio emergencial foi significativo, e setores como construção civil e agronegócio vão bem. No ano, é possível uma queda do PIB na casa de 4% ou até menos, um recuo significativo, mas bem menor do que a retração de 9,1% que o Fundo Monetário Internacional (FMI) chegou a projetar em junho.
Esse bom resultado de curto prazo, contudo, não assegura que o ritmo de crescimento vai continuar firme nos próximos meses. Mais uma vez, o governo de Jair Bolsonaro age para produzir incertezas, em vez de buscar diminuí-las. Primeiro, não há clareza sobre o quadro fiscal que vai prevalecer em 2021, a um mês e meio do começo do ano. A definição do Orçamento deve ficar para o primeiro trimestre do ano que vem. Não se sabe se um programa mais amplo de transferência de renda será criado, por exemplo.
Além disso, Bolsonaro politiza ao máximo a pandemia, como ficou mais uma vez evidente na semana passada, quando o presidente comemorou a interrupção dos testes com a vacina Coronavac, determinada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Para completar, o país caminha para ficar mais isolado no cenário externo. Com Joe Biden na presidência dos EUA, a política ambiental do Brasil estará na mira de outra grande potência, além da União Europeia (UE). A insistência de Bolsonaro nas atuais diretrizes para o ambiente poderá afetar as exportações brasileiras e afastar parte do investimento estrangeiro do país.
Essas incertezas atrapalham a economia num cenário em que os ventos externos podem se tornar mais positivos. A possibilidade de que esteja disponível em não muito tempo uma vacina com eficácia elevada melhora as perspectivas para a economia global, embora a segunda onda da covid-19 em alguns países abale a atividade no curto prazo, como ocorre na Europa. A tendência de juros baixos nos principais países avançados por um longo período, por sua vez, favorece mercados emergentes como o Brasil. Por fim, o governo de Joe Biden não deverá ser uma fonte de volatilidade e preocupação para a economia global como foi a administração de Donald Trump, ainda que a rivalidade entre os EUA e a China deva continuar intensa.
Desse modo, o bom momento da economia brasileira no curto prazo contrasta com o cenário para 2021, totalmente indefinido por causa dessas várias incógnitas. O Indicador de Incerteza da Economia (IIE-Br) da Fundação Getulio Vargas (FGV) deve voltar a subir neste mês, uma notícia ruim para o investimento, que depende de um horizonte de maior previsibilidade para deslanchar.
Divulgada na sexta-feira, a prévia do índice de novembro mostra uma alta de 7,6 pontos, para 151,4 pontos. Se confirmado, será o primeiro aumento depois de seis quedas seguidas. As dúvidas em relação à trajetória das contas públicas contribuem para elevar o indicador de incerteza. No auge do impacto da pandemia sobre a atividade, em abril, o IIE-Br bateu em 210,5 pontos, mas o nível sugerido pela prévia de novembro é muito alto – o recorde anterior à eclosão da covid eram os 136,8 pontos de setembro de 2015.
Nesse quadro, a economia tende a perder dinamismo, podendo patinar em 2021. O auxílio emergencial, cujo valor já foi reduzido de R$ 600 para R$ 300, deve expirar em dezembro. Não parece haver tempo suficiente para que se monte um programa de transferência mais amplo até o começo do ano. O ideal seria unificar programas sociais existentes ao Bolsa Família, o que seria possível fazer respeitando o teto de gastos, mas é algo que não está no radar, pois o governo resiste a tomar medidas nessa linha.
Já prorrogar o auxílio por poucos meses até que se encontre uma solução para o sucessor do Bolsa Família tende a ser juridicamente complicado e pode causar ruídos, se for feito fora do teto e sem o compromisso com uma agenda de reformas que combatam a expansão de gastos obrigatórios.
Nesse ambiente, é importante que, passado o primeiro turno das eleições municipais, seja feito um esforço para dar um rumo claro à condução das contas públicas em 2021. Há o risco de que haja uma retirada de estímulos muito abrupta se o auxílio emergencial for encerrado e nada for colocado em seu lugar. Ao mesmo tempo, há o risco de perda de credibilidade da política fiscal se o teto de gastos for abandonado e não ficar claro que reformas serão aprovadas. O câmbio pode se desvalorizar mais, tornando mais duradouras as pressões sobre a inflação que, por enquanto, são temporárias e localizadas.
Também causa muito ruído a atitude de Bolsonaro em relação à pandemia. Desde o começo, o presidente negou a gravidade da doença e acusou os governadores pela adoção de medidas de distanciamento social. Agora, bombardeia a vacina produzida pela chinesa Sinovac e pelo Instituto Butantan, por causa de sua rivalidade com o governador João Doria (PSDB). Em vez de apostar na coordenação de ações com Estados e municípios no combate à covid-19, Bolsonaro opta pelo conflito.
A resistência em cumprimentar Biden pela vitória e os sinais de que não haverá mudança na política ambiental tambem são negativos para a economia brasileira. O Brasil fica mais isolado no cenário internacional, havendo um risco de que as exportações do país sejam afetadas. O fluxo de investimento externo também pode minguar, num momento em que empresas e fundos estrangeiros dão cada vez mais importância à questão da sustentabilidade.
Se essas incertezas forem reduzidas, especialmente no front fiscal, o país poderá ter um crescimento na casa de 3,5% em 2021, estimulado por juros ineditamente baixos. Caso elas permaneçam, porém, uma expansão em torno de 2% tende a ser mais provável, um ritmo muito fraco depois do tombo deste ano e do desempenho medíocre dos anos anteriores.