Com mais crescimento e uma trajetória mais benigna para a dívida, a percepção de risco melhora, tornando o cenário mais favorável para o investimento no país
A forte queda dos juros e a expectativa de que a Selic ficará baixa por longo período melhoraram consideravelmente o cenário para a recuperação cíclica e para a dinâmica das contas públicas no Brasil.
Mesmo se o Banco Central (BC) não cortar mais a taxa básica em 2020 e a mantiver em 4,5% ao ano ao longo do ano que vem, um juro real (descontada a inflação) pouco acima de zero deverá ter efeito importante sobre a atividade, contribuindo também para reduzir as despesas financeiras do setor público. Com mais crescimento e uma trajetória mais benigna para a dívida, a percepção de risco melhora, tornando o cenário mais favorável para o investimento no país.
Um avanço mais firme do PIB de modo sustentado vai depender do aumento da produtividade, mas o quadro de juros baixos deve sustentar a retomada cíclica, ainda que seja importante uma queda expressiva das taxas cobradas em empréstimos e financiamentos. Juros menores tendem a permitir um crescimento do PIB acima de 2% por algum tempo, desde que não haja uma piora acentuada no cenário externo e o governo não crie incertezas e problemas desnecessários, como na relação com o Congresso.
Para o ano que vem, o Bradesco prevê uma expansão da economia de 2,5%, uma aceleração em relação ao 1,2% esperado para este ano, amparada no nível baixos dos juros e na recuperação do mercado de trabalho. “As melhores condições financeiras, com juros em patamar historicamente baixo, favorecerão os setores ligados a crédito, como o automotivo, as indústrias de eletrônicos e de bens de capital, construção residencial e infraestrutura”, aponta o banco, em relatório.
Além disso, a recuperação do mercado de trabalho deve ganhar força, com o aumento da formalização – em novembro, o país criou quase 100 mil vagas com carteira assinada, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Foi o oitavo mês seguido de geração de vagas formais, e o melhor resultado para novembro desde 2010. “Isso deve adicionar maior dinamismo ao consumo das famílias e impactar positivamente o comércio varejista, os serviços prestados às famílias e o sistema de saúde privado”, dizem os economistas do Bradesco, que também veem “um cenário favorável para todo o complexo carnes, a exploração de petróleo e a mineração, em dinâmicas setoriais próprias”.
Os juros baixos também devem estimular o investimento por parte das empresas, avalia o Bradesco. A confiança empresarial tem melhorado e está em curso um processo de redução das incertezas. “As exportações devem se manter em baixo patamar, mas a demanda interna deve compensar”, diz o banco, para quem “os aportes seguirão concentrados em modernização e automação, ainda mais se considerarmos o elevado nível de ociosidade em alguns segmentos”.
À medida que a indústria cresça com mais força, porém, o excesso de capacidade se reduzirá, aponta o Bradesco. Desse modo, há uma expectativa de que a retomada seja puxada pelo consumo das famílias e pelo investimento, ainda que a ociosidade elevada freie apostas em projetos de ampliação da capacidade produtiva, pelo menos num primeiro momento.
O economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato, diz que, em evento recente promovido pelo banco em Nova York, ficou claro que o investidor estrangeiro “quer ver crescimento”. Essa é a grande prioridade do capital externo, segundo ele. Se confirmadas as previsões para 2020, o Brasil será uma das principais economias do mundo a registrar uma aceleração mais expressiva do crescimento no ano que vem. Isso pode atrair recursos estrangeiros para a bolsa, cuja alta em 2019 foi puxada por dinheiro local, e para projetos de infraestrutura e outros setores da economia, diz Honorato. Muitos investidores externos permanecem reticentes em relação ao país devido ao desempenho fraco da economia nos últimos anos.
Os juros baixos também melhoraram significativamente as perspectivas para a trajetória da dívida pública. A mudança fica clara nas projeções para a dívida bruta do Santander, por exemplo. Em 2015, o banco via o endividamento bruto atingindo o pico de 91,7% do PIB em 2023. Na estimativa feita em 2017, o indicador alcançaria 88,7% do PIB também em 2023. Hoje, o banco acredita que o pico será de 77,8% do PIB, nível em que a dívida bruta baterá em 2021.
Em resumo, o indicador, um dos principais termômetros de solvência das contas públicas de um país, deverá subir menos que se esperava há alguns anos, além de atingir o seu nível máximo um pouco antes.
O economista Rodolfo Margato, do Santander, ressalta o papel dos juros mais baixos para a melhora das projeções. Também pesam a expectativa de um crescimento um pouco mais forte e as devoluções dos recursos do BNDES ao Tesouro, de acordo com ele. Isso ajuda a abater o estoque da dívida bruta, que deve fechar 2019 em 76,8% do PIB, nas projeções do banco.
Num quadro de elevado desemprego e inflação sob controle, os juros tendem a ficar baixos por um bom tempo. O Santander espera que a taxa recue dos atuais 4,5% para 4% no começo do ano que vem, enquanto o Bradesco acredita que a Selic cairá para 4,25%. Nos dois casos, a expectativa é que os juros não vão subir ao longo de 2020. A aprovação da reforma da Previdência e o teto de gastos também foram importantes para a queda da taxa nos últimos anos, por melhorar a sustentabilidade das contas públicas no longo prazo.
Para que os juros sigam em níveis baixos de modo duradouro é fundamental continuar com a agenda fiscal, diz Honorato, para quem é importante a aprovação de medidas que tornem viável o cumprimento do teto, o mecanismo que limita a expansão das despesas não financeiras da União. Também é preciso adotar iniciativas do lado da oferta, para aumentar a produtividade e, com isso, a capacidade de o país crescer a taxas mais elevadas, segundo ele. Margato diz que o ajuste das contas públicas não está completo, sendo necessário aprovar medidas que controlem a expansão dos gastos obrigatórios.
Depois de três anos de crescimento pífio, a economia entra em 2020 com a expectativa de expansão mais forte e uma situação fiscal mais favorável. Se o ambiente internacional não azedar e o governo não for uma fonte de incertezas e ruídos, o PIB parece caminhar de fato para uma expansão no ano que vem superior a 2%, nada brilhante, mas algo que não ocorre desde 2013.