Democracia não deve ser um regime político baseado em práticas puramente eleitorais, desvinculada das condições objetivas da sociedade. Na verdade, a democracia pressupõe a existência de determinados direitos e liberdades básicas para que possa ser exercida com integridade. Dentre esses, os direitos sociais são fundamentais. Salário digno, previdência social, saúde, educação, habitação e tantos outros não podem ser relegados a um segundo plano. É muito difícil o exercício da cidadania quando os indivíduos vivem no limite da sobrevivência. Embora o Bolsa Família seja um programa importante para retirar da miséria absoluta milhões de brasileiros não é possível imaginar que um valor básico de R$ 85,00 e máximo de R$ 195,00 por mês irá transformar essas pessoas em cidadãos perfeitamente integrados à democracia. E direitos sociais não surgem do nada. Pelo contrário, exigem que a economia tenha atingido um patamar mínimo de produção e distribuição de renda.
Adicionalmente, o conceito atual de desenvolvimento econômico inclui obrigatoriamente a preservação do meio ambiente. Devemos lembrar que o ambiente natural é a fonte onde os humanos vão buscar alimentos, matérias primas e energia que lhes são tão necessários. A destruição do meio ambiente atinge mortalmente a economia. Os exemplos são cada vez mais alarmantes.
Cansamos de ler e ouvir que o Brasil é um país “emergente” ou “em desenvolvimento”. Até o início dos anos 80 do século passado, pelo menos em termos de crescimento econômico, era verdade. Entretanto, a partir daí, até nossos dias, o cenário mudou muito e para pior. Registra o economista José Luis Oreiro, em artigo recente, que entre 1930 e 1980 crescemos em média 6,32%aa e entre 1981 e 2013, apenas 2,55%aa. Se computarmos os cinco últimos anos de crise e baixo crescimento, o número cai ainda mais. Considerando o aumento populacional no período, esse número é lamentável. Alguns surtos de crescimento foram observados nos anos 90 e na primeira década do novo século, mas não foram suficientes para alterar a média geral muito baixa. São praticamente quatro décadas perdidas. Enquanto ficamos patinando, países como a Coréia do Sul, China, Austrália, Nova Zelândia e vários outros cresceram muito e estão a caminho de se tornarem desenvolvidos.
A questão do desenvolvimento não é trivial. Deveria ser uma preocupação constante de todos aqueles que lutam contra a injustiça social. Na verdade os que mais sofrem com a falta de produção, emprego e renda são os 50% da população de renda mais baixa que vivem nas regiões mais pobres e nas periferias das grandes cidades. Para esses, falta tudo: salário, alimentação, vestuário, saneamento básico, saúde, habitação e muito mais. É uma vida miserável e sem perspectiva. Do ponto de vista da cidadania, essa situação é uma tragédia.
A experiência mostra que quando se pretende estabelecer um projeto de desenvolvimento, é relativamente fácil reunir meia dúzia de economistas, advogados, engenheiros, sociólogos e outros acadêmicos para listar as principais medidas a serem tomadas para levar o projeto adiante. Alias é o que têm feito os partidos políticos de quatro em quatro anos, sem grandes resultados. Essa prática burocrática e eleitoral é a principal razão pela qual os projetos de desenvolvimento nos últimos quarenta anos no Brasil não vão adiante. Um projeto de desenvolvimento, principalmente em um ambiente democrático, precisa, antes de tudo, ser um projeto político. Deve ser construído, item a item, simultaneamente à formação de uma frente política capaz de levá-lo adiante. Sem essa configuração, perde-se tempo.
Ao pretendermos que o desenvolvimento seja inclusivo, distribuindo renda e respeitando o meio ambiente, estamos definindo que essa frente política, além de democrática, deve ser progressista. Por outro lado, para que possa ser efetivado com sucesso, deve ser majoritária. Uma frente política majoritária, democrática e progressista, construída em torno de um projeto de desenvolvimento, deveria ser hoje uma aspiração de todos os brasileiros. Não se deve limitar a participação das forças políticas nesse projeto, indicando a priori quem pode ou não pode tomar parte. Certamente as forças mais retrógradas, internas ou externas, que apostam no atraso social, de onde tiram suas eventuais maiorias eleitorais ou vantagens econômicas, não sentarão a mesa para negociar. Ao contrário, farão uma forte oposição. E o acordo político passa por negociações às vezes muito duras e difíceis. Soluções burocráticas foram tentadas nas últimas décadas, como o Programa Avança Brasil, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e “Uma Ponte para o Futuro”. Os resultados, como eram de se esperar, têm sido irrelevantes.
A experiência internacional tem indicado que um acordo político dessa natureza resulta em um conjunto coerente de ações estratégicas, planejamento estatal e participação do capital privado. Os recursos financeiros necessários são extremamente elevados para que o desenvolvimento possa ser alcançado, em um prazo razoável, sem a participação do setor privado. Os escassos recursos do Estado devem ser reservados para as áreas onde a alternativa privada não é viável, para setores estratégicos ao próprio desenvolvimento e para a segurança nacional. Muitos dos investimentos necessários só podem ser efetivados pelo Estado, já que não têm retorno financeiro suficiente para atrair o capital privado. É o caso, por exemplo, da educação e saúde de populações de baixa renda ou investimentos em tecnologias básicas e adequadas aos recursos produtivos brasileiros. Talvez a maior contribuição do Estado ao desenvolvimento seja o planejamento e a coordenação dos planos e projetos estratégicos acordados.
No Brasil, a atual fragmentação das forças políticas e sociais e a falta de um projeto de desenvolvimento comum leva a uma virtual paralização do Estado. Pior do que isso, os grupos privados e corporativos mais organizados “canibalizam” a máquina estatal, destroem sua capacidade operacional e fragilizam as finanças públicas. A desorganização do Estado se reflete em toda a economia. Os consumidores se retraem e adiam as compras. Os fabricantes diminuem a produção. O setor privado reduz os investimentos em novas unidades produtivas ou aplica somente quando consegue taxas de lucro muito altas para compensar as incertezas. O desenvolvimento econômico cessa ou avança em ritmo muito lento, imobilizando o país. Estamos nessa situação há quase quatro décadas. É angustiante.
Em resumo, os problemas podem ser econômicos, mas a saída é necessariamente política. A solução para esse impasse é um movimento político que mude as expectativas negativas que os agentes econômicos e a população em geral têm em relação ao futuro do país. Sabemos que a construção desse projeto não é uma tarefa simples, mas certamente é necessária. Dificilmente uma força política sozinha, por mais bem intencionada que seja, conseguirá levá-lo adiante. De qualquer forma, a compreensão da importância e da natureza do problema é um primeiro passo para sua superação.
Para provocar o debate pretendo, num próximo artigo, tentar esboçar um diagnóstico da situação atual, tomando por referência as variáveis básicas dos modelos que buscam entender a dinâmica da economia capitalista no longo prazo.
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(*) Sérgio Gonzaga de Oliveira é engenheiro pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e economista pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL)