Ainda é tempo de as forças políticas que apoiam o atual governo se jogarem na luta para ampliar o apoio às reformas na sociedade
Tornou-se clichê dizer que o Brasil precisa de reformas. E é verdade. Habitualmente tomamos reformas como sinônimo de mudanças em regras que regulam áreas específicas de política pública. Falamos em reforma política, tributária, do sistema previdenciário, e assim por diante. Faz sentido proceder dessa maneira porque cada um desses sistemas é complexo em si mesmo e regido por regras próprias.
Há dois problemas nessa abordagem. Primeiro, ela reduz o processo de reformas a mudanças nas regras formais, quando, na verdade, elas implicam também alterações nas mentalidades e nos comportamentos predominantes na sociedade. Segundo, é incapaz de articular as reformas dentro de uma visão sobre o futuro do País.
Numa democracia, reformas requerem a aprovação pela maioria do Congresso, frequentemente por quóruns qualificados. Em qualquer país do mundo o Parlamento abriga, em maior ou menor grau, interesses locais, setoriais e pessoais, a começar pelo interesse de cada parlamentar de se reeleger. A leitura acurada desse mapa de interesses é fundamental para aprovar reformas. Daí a importância dos operadores políticos.
É um grande equívoco, porém, supor que para o sucesso das reformas basta ganhar no Congresso. Importa ganhar na sociedade também, não apenas porque essa vitória ajuda a vencer no Parlamento, mas igualmente – ou ainda mais – porque a persuasão da sociedade é chave para a mudança de mentalidades e comportamentos que, ao fim e ao cabo, é a garantia de que as reformas produzirão efeitos duradouros. Tarefa para a liderança política, não para os operadores políticos.
Dada a gravidade da crise, em boa hora o atual governo retomou a agenda de reformas posta à margem nos governos petistas. Não apenas as que já tramitam no Congresso, mas também as que ainda estão em gestação no Executivo, pertencentes à chamada agenda microeconômica. Ninguém com conhecimento razoável dos desarranjos da economia brasileira poderá negar a necessidade de aprová-las, ainda que com modificações introduzidas no Congresso, como é natural. Elas são necessárias, mas nem de longe suficientes para estabelecer condições adequadas a que o Brasil avance para se tornar um país mais desenvolvido e mais justo. Continuá-las é tarefa que caberá ao futuro governo.
Dessa perspectiva, o atual deveria estar mais empenhado em, se não ganhar, ao menos não perder a batalha do convencimento da sociedade quanto à necessidade das reformas. Talvez empenho não seja o que falta ao governo. Faltam-lhe condições para ser um bom porta-voz de reformas que poderiam e deveriam ter sido desde o início apresentadas, em particular a da Previdência, como passos não só na direção do equilíbrio fiscal, mas também, e principalmente, de uma sociedade com mais igualdade e menos privilégios.
Vista desse ângulo, a proposta do governo deveria desde logo ter sido trabalhada com base em dois critérios de justiça distributiva: entre os beneficiários de uma mesma geração, mostrando os privilégios existentes nas aposentadorias do setor público e a concentração das aposentadorias por tempo de serviço nos estratos de maior renda no setor privado; e entre a geração de hoje e as gerações futuras, que não receberão benefício algum se as atuais regras previdenciárias forem mantidas.
Bobagem chorar sobre o leite derramado. Ainda é tempo de as forças políticas que apoiam o atual governo se jogarem na luta para ampliar o apoio às reformas na sociedade, sob pena de pagarem caro nas eleições de 2018, se não o fizerem. Os argumentos para tanto estão muito bem expostos no excelente artigo de Mansueto Almeida e Marcos Mendes publicado na Folha de S.Paulo (26/3).
As iniquidades sociais e as ineficiências econômicas no Brasil são tantas e estão em geral tão umbilicalmente associadas que é largo o caminho para avançar simultaneamente em reformas que reduzam tais iniquidades, simbolizadas pelo privilégio de corporações públicas e privadas, e aumentem a eficiência na economia, prejudicada por mercados fechados, mal regulados, capturados por empresas politicamente bem conectadas.
É preciso mostrar que a corrupção não cai do céu, nem deriva de um déficit moral insanável do País. Ela viceja nesse terreno fértil de iniquidades sociais e ineficiências econômicas e as fortalece. Por isso a Operação Lava Jato é aliada, e não inimiga das reformas, entendidas estas como processos amplos de mudança de regras, mentalidades e comportamentos. Quem quiser ser candidato em 2018 terá de dizer isso em alto e bom som e ter autoridade para fazê-lo.
Deverá dizer também que entre a eficiência econômica e a equidade social o Brasil deve escolher as duas. O País precisará aumentar muito a eficiência econômica para ter taxas de crescimento que permitam responder às demandas da sociedade. Da mesma maneira, necessitará reduzir as iniquidades sociais, não apenas para obter mais crescimento, com mais equidade, mas também para recuperar um mínimo de crença nas instituições, sem o que não haverá nem crescimento, nem governabilidade, nem democracia.
Está mais do que na hora de construir uma visão de futuro em torno das ideias-força do não aos privilégios de corporações públicas e privadas e do não à corrupção; do sim à justiça social, entendida como igualdade real de oportunidades para todos, e do sim também à eficiência econômica, como condição necessária para que se possa avançar na concretização progressiva deste que deve ser o objetivo último de qualquer sociedade decente: dar a cada criança, independentemente de sua origem social e familiar, a mesma chance de se desenvolver como indivíduo e como cidadão.
A reforma da Previdência, ao evitar que em algumas décadas os orçamentos públicos sejam consumidos exclusivamente pelo pagamento de aposentadorias e pensões, é um importante passo nessa direção.
*Sergio Fausto é cientista político e superintendente do iFHC.
Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,reformas-sao-mais-do-que-mudancas-de-regras,70001731243