Suspeito que ele ficaria vexado pela proximidade política do neto com um político como Bolsonaro
O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, é um político competente e estrela em ascensão no atual governo. Com dois mandatos de vereador em Natal e outros dois de deputado federal pelo Rio Grande do Norte, além de cargos importantes no Executivo estadual e federal, não lhe faltam experiência nem DNA: é neto de Djalma Marinho, político potiguar que se destacou na Câmara dos Deputados por mais de três décadas na segunda metade do século 20. O avô de Rogério Marinho não conseguiu se eleger governador de seu Estado, como agora pretende o neto, mas sua biografia revela um tipo de político cada vez mais raro no Brasil: um liberal-conservador culto e educado, que se manteve coerente com suas principais convicções ao longo de 40 anos de vida pública.
Filiado a um único partido entre 1945 e 1964, a UDN, aderiu à Arena quando da imposição do bipartidarismo. Embora membro do partido situacionista, não hesitou em levantar a sua voz mansa contra as piores arbitrariedades do regime autoritário.
Foi assim na conjuntura dramática que levaria à decretação do AI-5, em dezembro de 1968. Presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, não se dobrou à pressão dos militares que pretendiam processar Márcio Moreira Alves por discurso supostamente afrontoso à honra das Forças Armadas. Com críticas ao governo pela repressão a manifestações estudantis, o parlamentar fluminense conclamara os pais a não autorizarem seus filhos a desfilar no 7 de Setembro e às moças, a não dançarem com os cadetes no baile da Independência.
Em audiência com o então presidente Costa e Silva, Djalma Marinho anunciou que a comissão negaria a licença solicitada pelo Ministério da Justiça para instaurar processo contra o deputado, que gozava de imunidade parlamentar para expressar livremente a sua opinião. Buscou encontrar alternativas para o impasse. Diante da intransigência do general-presidente, fez discurso corajoso da tribuna da Câmara em que se disse um “vassalo da ordem democrática”, recusando-se a cumprir “exigências absurdas”.
A derrota do governo na comissão e no plenário serviu de pretexto para a edição do mais draconiano dos atos institucionais, que fechou o Congresso, suspendeu a imunidade parlamentar, a inamovibilidade e estabilidade de juízes e o habeas corpus, escancarando a ditadura e soltando as rédeas da repressão e da tortura. Marinho perdeu, mas não mandou às favas os escrúpulos de consciência.
Nas eleições legislativas de 1974 sofreu novo revés, dessa vez uma derrota eleitoral. No pleito daquele ano, quando o regime completou seu décimo aniversário, o partido de oposição obteve votação surpreendente para a Câmara (e também para o Senado). Sem reconquistar seu mandato nas urnas, Djalma Marinho foi à tribuna e expressou sua opinião sobre os resultados das eleições. Disse que seu “caráter plebiscitário representava o fato mais relevante dos últimos dez anos” e aconselhou o presidente Ernesto Geisel a rever conceitos e estilos, métodos e práticas, “que haviam sido impostos à nação de cima para baixo, sem debate, sem alternativa”, conforme se lê no verbete dedicado ao parlamentar no acervo do CPDOC da FGV.
De volta à Câmara em 1979, eleito deputado federal nas eleições do ano anterior, Djalma Marinho dedicou-se ao projeto de reforma da Lei Orgânica dos Partidos. Manifestou-se pela liberdade de organização partidária e admitiu a legalização do Partido Comunista Brasileiro (PCB), afirmando que, como democrata, “teria de conviver com todas as tendências”.
No ano seguinte, lançou-se à presidência da Câmara como candidato dissidente do PDS, sucessor da Arena, defendendo a independência do Congresso. Recebeu votos de alguns de seus colegas de partido e da maioria dos deputados de oposição, mas o vitorioso foi Nelson Marchezan, apoiado pelo presidente João Figueiredo.
Djalma Marinho não teve a força expressiva de Teotônio Villela, seu correligionário na UDN e na Arena, também ele proveniente de um pequeno Estado do Nordeste. Teotônio foi mais vocal e aguerrido na divergência com o regime, do qual se afastou para finalmente se filiar ao MDB, no início de 1979. Ainda no partido do governo, o Menestrel das Alagoas, como o chamaram Milton Nascimento e Fernando Brant, confrontou em andanças pelo País e discursos no Senado a legitimidade do autoritarismo e visitou presos políticos na campanha pela anistia ampla, geral e irrestrita. A seu modo, porém, Djalma Marinho também deixou sua marca no reencontro do País com a democracia.
Marinho morreu em dezembro de 1981, dois anos antes de Teotônio. Não sei o que pensaria sobre a proximidade política do neto com um político como Jair Bolsonaro. Suspeito que ficaria vexado. Afinal, era um homem culto, educado, conservador, mas liberal e tolerante. Perdeu a eleição para o governo de seu Estado em 1960, derrotado por Aluísio Alves, mas deixou uma biografia digna de ser lembrada.
O neto ainda não terminou de escrever a sua. Que o avô ilumine o seu caminho.
*Diretor-geral da Fundação FHC, é membro do Gacint-USP