No palanque armado no pátio do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, uma nova seita emergiu no sábado, através da fala do profeta Luís Inácio Lula da Silva, com seu carisma e gestual sedutor e mobilizador da militância. O excepcional orador, tanto pelo jogo de palavras do seu discurso quanto, principalmente, pela encenação, produziu um grande espetáculo teatral, com movimento no palco, alteração do tom de voz e dos gestos, dramatização que emociona as massas.
Lula abusou da encenação, caminhava, virava para os lados, abaixava-se para enfatizar a afirmação, complementada pelo movimento das mãos e destaque dos dedos. Um artista que domina o palco e mobiliza as emoções e impulsos dos seus liderados, despertando ódio aos que ameaçam com a prisão do grande líder.
A história mundial tem exemplos notáveis de líderes com o carisma e a encenação populista de Lula, que, combinando o espetáculo com o ataque às instituições, provocaram grandes desastres políticos e sociais.
O populismo sempre encontra terreno fértil para se desenvolver em situações de crise social e política, descrédito da sociedade e desmoralização das instituições, precisamente o que experimentamos atualmente no Brasil. Nestas condições, mais valem a retórica e a identificação com o líder carismático que as ideologias, as propostas políticas e as análises e escolhas racionais.
Considerando a formação política de Lula e as diferentes circunstâncias históricas, seria uma desproporção comparar o ex-presidente com Hitler ou Mussolini, dois dos maiores populistas da história que levaram seus países ao totalitarismo. Mas o discurso de Lula no Sindicato dos Metalúrgicos foi uma preciosa aula de populismo e de encenação dramática, em tudo semelhante ao Führer e ao Duce. Com uma grande vantagem tecnológica para o ex-presidente: os poderosos meios de comunicação de massa de que dispõe o ex-presidente do Brasil, inclusive da imprensa, atacada duramente por ele no seu pronunciamento.
A Globonews transmitiu todo o discurso ao vivo, os noticiários divulgaram longos trechos da sua arenga quase histérica, alcançando, desta forma, milhões de brasileiros em todo o território. Ao mesmo tempo em que mobilizou os seus simpatizantes, a fala de Lula, já com ordem de prisão, despertou a indignação dos seus desafetos, ampliando o clima de intolerância e fragmentação política no Brasil.
Se os movimentos e gestos dramáticos de Lula lembram as manifestações exaltadas de populistas de triste memória, a sua mensagem central contém a mesma forma direta de ligação das massas ao grande líder, situado por cima das instituições.
A sua crítica ácida à imprensa e, mais ainda, às instituições jurídicas, Ministério Público e juízes das diversas instâncias (incluindo STF), reforçam esta relação do ídolo com o povo, por cima e ao arrepio da República. “Eu não sou mais um ser humano. Sou uma ideia”, afirmou o ex-presidente Lula num momento supremo de megalomania. Embora ninguém saiba dizer qual é mesmo a ideia da “metamorfose ambulante”, como se classificou em algum momento, os milhões de simpatizantes exultam e se identificam com o populista. Na verdade, o que emerge desse discurso é uma religião, perigosa religião, carregada de fanatismo pelo profeta, que gera o ódio contra as instituições republicanas.
* Sérgio C. Buarque é economista e consultor