Luta de classes é um dos motores da história. Neste momento ocorre um “curso de pós-graduação” autointitulado Esquerda no Século XXI, com aulas da ex-presidente Dilma Roussef, Guilherme Boulos e outros dessa seara. É o mesmo instante em que nem uma única voz da “suposta” esquerda se posiciona com firmeza na condenação da ditadura descarada ora instalando-se na Venezuela.
Parece-me um bom momento para esclarecer um pouquinho do meu ponto de vista (de esquerda ) sobre o tema. Como o espaço é curto, as frases serão diretas e explícitas. Estaremos sempre abertos e interessados em uma discussão mais profunda.
As duas narrativas da esquerda e da direita do século XX morreram. A primeira, com o fracasso econômico e político do “socialismo real”; a segunda, com a debacle da “autorregulação dos mercados” na Grande Recessão de 2008, que está e continuará conosco por muitos anos.
Sempre houve e sempre haverá uma direita e uma esquerda. Só que ambas devem se reinventar no século XXI. A direita, porque nem a crise ecológica, nem a juventude, nem as tremendas decisões éticas que a humanidade terá de tomar nas próximas décadas (nos dividiremos em mais de uma espécie? Haverá alguma governança global? etc.) suportam mais um sistema que subordina tudo à maximização da acumulação e que confunde liberdade do indivíduo com supremacia absoluta do mercado.
Viva o capital, o empreendedorismo e a economia de mercado. Morte ao capitalismo como sistema que a tudo subordina ou teremos um pesadelo pela frente.
Já a “esquerda” latino-americana, o que lhe falta é coragem intelectual. Não tirou conclusão alguma da queda do Muro de Berlim e da União Soviética. Recusa-se a aceitar que a estatização dos meios de produção, além de ineficiente, é categoricamente antidemocrática. Democracia pressupõe alternância. Como seria? Um estatiza, depois outro privatiza, depois estatiza, depois privatiza?
A luta de classes é um dos motores da história. Mas luta de classes como O motor da história? Vão ler “Sapiens”, do Harari. A classe operária como aquela que, não tendo nada a perder, pode “construir o novo homem?”. Onde ela está?
A esquerda anacrônica é nacionalista e contra a globalização, junto com Trump, Le Pen e a turma do Brexit. Enquanto isso, grande parte do problema é como regular globalmente o expansionismo incontrolável do capital, em um contexto de gigantescas falhas de mercado como as mudanças climáticas.
Combater mundialmente a desigualdade e a dominação do espírito humano pelo fetichismo do crescimento econômico a todo custo é uma agenda necessária e de esquerda no século XXI. A essência da questão é garantir a todos acesso ao conhecimento, direitos humanos fundamentais e liberdade individual.
Repetir mantras de forma rasa e superficial é contrariar o lema do velho barbudo: “Duvidar sempre”. O curso de esquerda do século XXI? Comédia.
*Sérgio Besserman Vianna é presidente do Instituto Jardim Botânico do Rio de Janeiro