Pistas dadas por Bolsonaro indicam agenda de reformas que exigirá várias emendas à Constituição
O novo governo começa embalado em altas expectativas e muita controvérsia. Sua eleição encerrou um ciclo do presidencialismo de coalizão, mas anulou o modelo político. Se o pleito presidencial implodiu o duopólio PT-PSDB, as eleições proporcionais resultaram em um multipartidarismo mais fragmentado, com bancadas partidárias significativamente menores. A formação de maiorias ficou mais difícil. Requer mais partidos, ao custo de menos afinidades político-programáticas. A pauta de demandas e desejos que elegeu Jair Bolsonaro tem um núcleo muito conservador, mas a maioria que o levou à vitória é difusa e diversificada.
O presidente eleito precisará de uma agenda que, sem desatender ao núcleo conservador, atenda a um espectro mais amplo de anseios, sob o risco de frustrar a larga faixa do eleitorado que votou mais contra o situacionismo. Ao mesmo tempo, terá que enfrentar os desafios que estão postos no campo fiscal e econômico.
O novo governo tem a seu favor um clima de otimismo como há muito não se registra no país. A esperança da opinião pública é um fator que impulsiona adesões no Congresso. Mas, embora um ingrediente necessário ao sucesso legislativo da agenda presidencial, não é suficiente.
Principalmente para um conjunto tão diferenciado de questões, que vão da economia — sobre a qual há relativo consenso no geral, todavia muita divergência no particular — até questões de direitos e costumes, em relação às quais não há concordância, nem no todo, nem nas partes.
O momento de maior probabilidade de sucesso corresponde aos primeiros quatro meses do primeiro ano do primeiro mandato. Em todas as presidências, desde 1990, com Collor, até Dilma, foi este o momento de maior sucesso parlamentar relativo, com o menor custo político e fiscal.
Pelo que informou o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, as prioridades e a agenda legislativa do novo governo serão apresentadas em reunião ministerial, no próximo dia 14. Prioridade clara e uma agenda focada também ajudam a conquistar maiorias.
Mas, no Congresso mais fragmentado da História, a formação de maiorias constitucionais exigirá coalizões com grande número de partidos, o que reduz a coerência interna e aumenta a dispersão de objetivos políticos e programáticos. A maior vantagem que terá no Legislativo será a afinidade do presidente eleito com o parlamentar mediano.
Mas ele se recusa a negociar uma coalizão multipartidária com as lideranças das legendas. Isso dificulta muito a agregação de parlamentares em número suficiente para aprovar uma agenda tão ambiciosa quanto aparenta ter o novo governo.
As pistas até agora dadas por Bolsonaro e seus principais auxiliares indicam uma agenda de mudanças e reformas que exigirá várias emendas à Constituição. Quanto mais PECs o presidente incluir em sua proposta parlamentar, maior a coesão multipartidária que precisará alinhavar para ter sucesso.
Fernando Henrique Cardoso tinha uma coalizão compacta, majoritária. Conseguiu aprovar um número significativo de emendas constitucionais e reescrever o capítulo econômico da Constituição. O forte impulso do Plano Real fez a diferença. Nenhum outro presidente conseguiu aprovar tantas PECs em um só ano.
Com a fragmentação e a resistência do presidente em negociar com os partidos, o mais provável é que não caibam muitas PECs na agenda de Bolsonaro. O sucesso objetivo de sua presidência depende da dimensão econômica de sua agenda e seus efeitos sociais.
O sucesso subjetivo, junto a seu eleitorado, depende das propostas sobre costumes, muito conservadoras e controversas. Se este quadro se confirmar, ele terá que encontrar um caminho de equilíbrio entre as reformas econômicas e sua pauta conservadora e garantir ganhos sociais. Um desafio e tanto.
*Sérgio Abranches é cientista político