Melhor que o Nobel estude mais antes de escrever sobre economia da qual nada entende
Em artigo publicado no dia 9 no jornal The New York Times e reproduzido pela Folha, o Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman argumentou que a crise brasileira é fruto de três fatores: queda dos preços das commodities, excesso de endividamento das famílias e política monetária e fiscal contracionista.
Concordando com os economistas heterodoxos brasileiros, a crise é essencialmente culpa do ajuste fiscal de Joaquim Levy.
A atual crise representa a maior perda de PIB, a segunda maior de PIB per capita e a recessão mais longa dos últimos 120 anos. No atual episódio, os termos de troca caíram 11%, se consideramos a média para os quatro anos findos no ano da crise em comparação aos quatro anos posteriores.
Nos outros quatro episódios, a queda equivalente foi de 44% para a crise de 1914, 32% em 1930, 32% em 1981 e 7% em 1990. Adicionalmente, o nível dos termos de troca no atual episódio, após a queda, ainda se manteve historicamente elevado.
Finalmente, esse foi um período de juros internacionais extremamente baixos, condição muito favorável para uma economia que importa capitais.
Houve uma elevação do endividamento das famílias, mas muito pior foi o endividamento das empresas —por exemplo, a Petrobras, que, sozinha, chegou a ser responsável por 8% de todo o investimento nacional, atingiu um nível de dívida equivalente a cinco vezes a geração de caixa. Na prática, estava quebrada.
Evidentemente, o investimento foi cortado.
Histórias com essa aplicam-se para indústria naval, toda a cadeia de óleo e gás, setor sucroalcooleiro e para diversas construtoras que se prepararam para atender os ambiciosos e irrealistas cronogramas do Minha Casa, Minha Vida.
Adicionalmente houve claros sinais de sobreinvestimento na indústria automobilística e toda sua cadeia produtiva.
O diagnóstico heterodoxo de crise keynesiana clássica de carência de demanda é incompatível com juros reais elevados e inflação também.
A política fiscal esteve longe de ser particularmente contracionista. As taxas de crescimento real do gasto primário nos anos de 2012 até 2016 foram respectivamente de 5,8%, 7,7%, 6,0%, -3,2% e 2,1%. Note que em nenhum ano o gasto primário cresceu abaixo do PIB. Estranho uma queda em cinco anos produzir esse estrago.
Finalmente, considerar a política monetária muito contracionista não faz o menor sentido, dada a experiência brasileira. As estimativas indicam que a taxa de juros neutra no Brasil era, em 2015,
da ordem de 5,5%.
O ciclo de alta das taxas de juros iniciou-se no primeiro semestre de 2013, após a inflação do tomate, e terminou em meados de 2015, com a taxa a 14,25%. Na média de 2015, a taxa real, considerando a inflação futura, rodou em torno de 7,5%, dois pontos percentuais acima da taxa neutra.
Para termos uma comparação com episódios passados, em 2003 a taxa de crescimento do gasto público foi de -3,7%, e o juro real foi de 13%. O crescimento foi 1,1%, e não a queda de 3,5% que tivemos em 2015.
Se Krugman tivesse olhado a evolução da inflação de serviços, o componente que responde à demanda, notaria que ela rodou em torno de 9% ao ano até o fim de 2016.
Achar que uma crise que se inicia no segundo trimestre de 2014, com queda de investimento desde o quarto trimestre de 2013 e tendo serviços rodando a 9% até o fim de 2016, se deve à carência de demanda agregada é verdadeira estultice.
Melhor que, da próxima vez em que Krugman for escrever sobre uma economia da qual ele nada entende, estude um pouco mais.
*Samuel Pessôa é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.