Não será surpresa se Bolsonaro for visto, de propósito, chupando o dedo
Ao ver sua claque em frente ao Alvorada, Jair Bolsonaro saiu tocando mãos, deixando-se apalpar e tirando selfies com celulares de apoiadores que ele não sabe se estavam com o nariz escorrendo. Coragem ou irresponsabilidade? Se Bolsonaro está convicto de que o coronavírus é uma invenção da mídia e não liga para sua saúde, ótimo —os brasileiros de bem agradecem.
O problema é que ele não é dono apenas de seu nariz. Sua atitude de ontem gerou um péssimo exemplo. Para desespero das autoridades sanitárias, inclusive as de seu governo, ele deu sinal verde para que ninguém tome as precauções para evitar contágio. Com seu populismo de coronel da roça, Bolsonaro contrariou a maciça recomendação médica de que, em nome da saúde pública, as pessoas lavem constantemente as mãos, policiem-se para não levá-las ao rosto e evitem contatos em aglomerações.
Para fazer jus à alcunha de “mito” que os papalvos insistem em lhe pespegar, não será surpresa se, nos próximos dias, Bolsonaro for visto removendo ramela do olho, chupando o dedo, roendo as unhas, tirando meleca do nariz, arrancando um fiapo de manga do dente ou dando palmadinhas nas bochechas de alguma apoiadora —fazendo, de propósito, tudo que não se deve fazer. Como passou dias ao lado de auxiliares já diagnosticados com o vírus, Bolsonaro tornou-se uma ameaça ambulante de contágio. Mas nem isso o impede de arriscar-se a empestear seus veneradores.
Em seu raciocínio patafísico, ele parece não ver por que tantas instituições, em escala mundial, estão se dispondo a perder bilhões ao paralisar suas atividades. Mas, se e quando a calamidade se instalar aqui por causa do coronavírus, talvez esses veneradores se lembrem de que ela poderia ter sido evitada se o chefe da nação fosse um estadista, que visasse o bem da população.
E não alguém que, no fundo, dá uma banana para essa população.
*Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.