As campanhas eleitorais estão nas ruas. A bandeira da ética volta a ganhar espaço nos programas dos candidatos, nas entrevistas e nos debates políticos. A ética passa a ser usada como arma contra os adversários. Embora a profusão de citações condene significativos vocábulos ao desgaste, a ética constitui um caso à parte, pois se torna cada vez mais referência importante na decisão do voto, passando a ser também baliza de comportamento no mundo corporativo, tanto na condução dos negócios quanto na atuação profissional e na relação com os consumidores.
A ética foi a poderosa bandeira que mobilizou a reação da sociedade à escalada da corrupção no setor público. São exemplares, como resultado da pressão social, dois avanços: a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010), que busca alijar das eleições candidatos corruptos, e a Lei Anticorrupção (Lei n.º 12.846), que pune empresas e seus dirigentes envolvidos em atos de corrupção.
Tais avanços sinalizam para o reconhecimento da ética como um dos pilares da construção da modernidade, com desenvolvimento sustentável e população beneficiada ao máximo pelo bom uso dos recursos públicos, com planejamento eficiente e gestão correta dos projetos e das políticas públicas.
Apesar dos retrocessos – decorrentes da multiplicidade de recursos propiciados por normas processuais obsoletas que persistem no País -, a nova postura cria condições para o fortalecimento de políticos e servidores públicos dispostos a privilegiar o interesse coletivo em detrimento do interesse pessoal ou da conquista do poder a qualquer preço.
A ética está ligada à cidadania e esta, por sua vez, decorre da boa educação, entendida em seu sentido mais amplo e nobre. O processo de formação cidadã pode – e deve – ter início na família, continuar na escola, invadir a trajetória profissional e prosseguir ao longo da vida.
A semente da cidadania brota da vinculação dos ensinamentos teóricos à pratica, em especial nas fases da vida em que as mentes estão mais abertas à aquisição de valores e princípios, isto é, na infância e na adolescência.
Para depurar largos segmentos da sociedade da inversão de valores ou do desencanto com corretas posturas sociais e individuais é preciso que quem respeita os códigos da ética continue e mesmo intensifique a pressão pelas mudanças de comportamento. A esses se pede que saiam da zona de conforto da omissão ou do simples protesto. Deles – candidatos ou eleitores – se espera uma ação mais assertiva já nas eleições de outubro, uns com a correta decisão de votos e outros com o compromisso de uma atuação pública de fato dedicada ao bem comum.
Vale sempre recordar a postura do Supremo Tribunal Federal (STF) no final de 2012, na Ação Penal 470 (o famoso mensalão), com a condenação da maioria dos denunciados, o que trouxe um alento aos milhões de cidadãos responsáveis que aspiram a viver num país sob o império da lei, e não num reino da impunidade.
Ficou evidenciada a necessidade da reforma modernizante do arcabouço jurídico da Nação. Para isso não basta uma limpeza das estruturas e dos dispositivos obsoletos que retardam os julgamentos, sem prejuízo do amplo direito de defesa. Será necessário também empreender ações que atenuem o ímpeto legiferante, que resulta em muitos projetos que, aprovados, ampliam a já confusa teia de leis, bom número das quais condenado ao lamentável fosso das “leis que não pegam” e, portanto, jamais serão cumpridas. Seja por serem inviáveis, seja por não encontrarem o respaldo da sociedade.
A análise detida e equilibrada da Ação Penal 470 serviu para mandar para a lata do lixo conceitos que, de tão aéticos, contribuem para denegrir a imagem do Brasil no cenário internacional e enfraquecer valores da cidadania, sem os quais não há desenvolvimento sustentável nem construção da paz e igualdade social.
Em artigo anterior publicado na página propus a seguinte reflexão: pode existir desenvolvimento econômico, social e político de uma nação sem obediência aos princípios éticos? Em outras palavras, é possível o desenvolvimento a qualquer custo? Apesar da disseminação da crença em contrário, a História mostra que a resposta é negativa, pois o desenvolvimento é impossível sem que dele participem cidadãos honestos, probos e comprometidos com os princípios éticos e morais, gerando um benefício em efeito cascata, que constitui, se não o único, ao menos o mais promissor caminho para corrigir as graves injustiças e atenuar as perigosas tensões entre as nações que marcam este início de século.
Espero, como milhões de brasileiros, que o histórico desfecho da Ação Penal 470 produza um benéfico efeito cascata contra a corrupção e contribua para sustentar a nova engenharia social, preconizada pelo desembargador Newton de Lucca, ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª. Região (TRF-3), em seu livro Da Ética Geral à Ética Empresarial.
A desideologizada atuação do STF no caso do mensalão resultou num momentoso resgate da confiança da sociedade no Poder Judiciário, outro fundamento do Estado do Direito, e de aperfeiçoamento da democracia. E se espera seja mantida nos julgamentos em curso com profunda repercussão na sustentação do Estado Democrático de Direito.
Eros Grau, ex-ministro do STF e professor aposentado da Faculdade de Direito da USP, em trabalho publicado na Revista do Advogado (Aasp) abordando o comportamento da chamada classe política, afirmou que a política com p minúsculo está aquém da ética; somente a Política com P maiúscula nela se compõe. E conclui: “O voto é a ferramenta do aperfeiçoamento da classe política e de que dispomos nas democracias. Refina tanto as virtudes de quem é votado quanto as virtudes dos eleitores”.
*Ruy Altenfelder é advogado, presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas e do Conselho Superior de Estudos Avançados (Consea/Fiesp)