Talvez mais do que em outros postos, nos EUA o que conta é ter acesso e influência
O Dissenso de Washington, livro onde descrevo como exerci a função de embaixador nos Estados Unidos por quase cinco anos e as atividades da embaixada, foi publicado em 2011. Por sua atualidade, transcrevo trechos do capítulo Ser Embaixador Junto ao Governo Americano, lembrando que, por mais que as relações entre os governos sejam excelentes, o embaixador tem de ficar atento para defender os interesses do País, pois os Estados Unidos haverão de defender os seus com vigor. A defesa é feita acima de partidos e ideologias, com prudência e comedimento, sobretudo nos pronunciamentos públicos.
Ser embaixador em Washington, o posto mais importante no exterior para profissionais de qualquer país do mundo, é o sonho de todo diplomata, mas poucos alcançam esse objetivo. Até ser indicado, por mais de 30 anos ocupei cargos de chefia no governo e na área econômica do Ministério das Relações Exteriores e no Ministério da Fazenda.
O embaixador em Washington tem de estar amplamente atualizado não só sobre o que acontece em seu próprio país e naquele em que está acreditado, como também sobre os acontecimentos que se desenvolvem nos outros países do mundo.
Talvez mais do que em outros postos, em Washington o que conta para um embaixador é ter acesso e influência. O processo de construção do que se traduz em prestígio perante o governo e a sociedade local é, em grande parte, executado nos contatos desenvolvidos e aprofundados em ocasiões em que os interesses do Brasil são manifestados e defendidos.
No mundo globalizado, onde a comunicação é instantânea, é enorme a competição por espaço na mídia, no mundo cultural e no acesso à comunidade acadêmica. Participei de programas de televisão, rádio, debates acadêmicos, think tanks e em instituições relacionadas com comércio exterior. Assumi o cargo com plena consciência de que a disputa por espaço para tentar influir a favor do Brasil seria uma das principais linhas de atuação da embaixada.
O poder de atração de Washington sobre autoridades de todos os quadrantes é uma das facetas da vida da capital dos EUA. Presidentes, primeiros-ministros, altas autoridades visitam quase diariamente seus contrapartes norte-americanos. Em torno dessas autoridades são organizados seminários, reuniões e palestras, preciosas fontes de informação para o trabalho diplomático. A presença da embaixada brasileira nas reuniões para debater a situação no Hemisfério, a política externa dos EUA e os principais temas globais facilitou muito o nosso trabalho de coleta de informações e análises sobre o que se passava no continente e no mundo.
Quando cheguei a Washington havia ali 194 embaixadas. Fiz um trabalho de ampliação de contatos de modo a que o Brasil se distinguisse como um interlocutor privilegiado para os Estados Unidos no conjunto dos países ali representados. Minha primeira preocupação foi definir a vocação que imprimiria à embaixada brasileira, pois isso determinaria a escolha das prioridades e dos instrumentos de trabalho durante minha gestão.
Nas primeiras reuniões com a equipe tracei a estratégia da atuação futura, que visava a dinamizar alguns setores e criar novos setores na Chancelaria. Dentre as prioridades iniciais, estavam a ampliação da interlocução com as autoridades americanas, a ênfase econômica e comercial e o desenvolvimento de um programa de diplomacia pública com a realização de seminários e encontros sobre o Brasil. Empenhei-me também em ampliar a presença no Congresso e em estabelecer sólida aproximação com o meio acadêmico e toda a comunidade brasileira.
Nesse contexto, meu objetivo imediato foi ampliar os contatos e o relacionamento da embaixada brasileira com o governo e o Congresso norte-americanos, assim como com as universidades, escolas, mídia, think tanks, ONGs (direitos humanos e meio ambiente), instituições financeiras internacionais e privadas. A meta era fazer da embaixada uma interlocutora proativa nesses setores, que definimos como prioritários.
Faz parte do trabalho de qualquer embaixada hoje, em especial em países estratégicos, adicionar valor às informações que o Itamaraty pode obter por seus próprios meios. Cuidei que desenvolvêssemos análises que superassem as meras notícias e informações oriundas de qualquer parte do mundo e praticamente simultâneas aos próprios acontecimentos. Dentro dessa perspectiva e sem descurar do fato de que os Estados Unidos não se resumem a Washington, desenvolvi o trabalho diplomático por meio de viagens e contatos pessoais também fora da capital. Visitei oficialmente 30 Estados (mídia, câmaras de comércio, universidades).
A embaixada em Washington goza de situação bastante peculiar: o embaixador atua não só no âmbito bilateral, mas também na mediação do contato de governadores e ministros de Estado visitantes com o Banco Mundial, o BID e o Fundo Monetário Internacional. Nunca deixamos de acompanhar as reuniões dessas autoridades brasileiras com o governo norte-americano e com os organismos multilaterais na capital norte-americana.
A residência funcionava como uma espécie de braço para a ação diplomática. Muitas vezes, o dia começava com um café da manhã de trabalho. E era rotina recebermos convidados norte-americanos, o corpo diplomático, os correspondentes de jornais e autoridades brasileiras em almoços e jantares de trabalho.
Em qualquer representação, mas, sobretudo, na embaixada junto à Casa Branca, o papel da mulher é especialmente valioso. Sendo Washington uma cidade administrativa, os contatos se desenvolvem no âmbito da sociedade local, composta de congressistas, membros do governo, dos tribunais, da mídia e dos milhares de lobistas de carteirinha.