A recomposição do equilíbrio de poder enfraquece a influência do grupo ideológico
Os ventos no Palácio do Planalto poderão mudar com a nomeação do general Braga Netto para a chefia da Casa Civil e do almirante Flávio Rocha para a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE).
A Casa Civil, que deve coordenar todas as ações do governo federal, sai fortalecida e tem o potencial de transformar a maneira como o Executivo lida com o Legislativo e o Judiciário. Com uma reviravolta nas atribuições ministeriais, a SAE passa a ter a responsabilidade da elaboração de subsídios para a formulação do planejamento estratégico e de ações externas de governo.
Agora vinculada diretamente ao presidente da República, a SAE foi significativamente fortalecida. As atribuições da Assessoria Internacional passam para a SAE, que deverá assistir o presidente da República no desempenho de suas atribuições e, especialmente, na realização de estudos e contatos por ele determinados em assuntos que subsidiem a coordenação de ações com organizações estrangeiras; assistir o presidente da República, em articulação com o gabinete pessoal do presidente, na preparação de material de informação e de apoio, de encontros e audiências com autoridades e personalidades estrangeiras; preparar a correspondência do presidente com autoridades e personalidades estrangeiras; participar, em articulação com os demais órgãos competentes, do planejamento, da preparação e da execução das viagens presidenciais internacionais; e encaminhar e processar as proposições e os expedientes da área diplomática, em tramitação na Presidência. O assessor internacional, Felipe Martins, passa a ser subordinado do chefe da SAE, o almirante Flávio Rocha.
A recomposição do equilíbrio de poder no Planalto enfraquece a influência do grupo ideológico e familiar. Será interessante acompanhar a reação do núcleo olavista palaciano à decisão presidencial. A mudança de cadeiras tem o potencial de facilitar a busca de maior racionalidade e de resultados para as iniciativas na área internacional, além do relacionamento com o Congresso e o Judiciário, sujeitos a fortes turbulências na semana passada.
Cabe ressaltar a volta dos militares ao centro do processo decisório do atual governo. Logo depois da posse, houve a ocupação de importante espaço por militares, que exerceram um papel moderador. Depois de um período de baixa visibilidade, o retorno dos oficiais-generais, três deles da ativa, desperta a expectativa de que algumas ênfases devam mudar. Se a eles se acrescentar o papel do vice-presidente como coordenador do Conselho da Amazônia, tem-se a extensão do poder e da influência da militarização do Planalto. A instituição, contudo, procura se manter independente das ações do governo como um todo.
E de esperar também um discurso mais conciliador com o Congresso e o Judiciário e uma ação menos ideológica do Itamaraty na política externa. O interesse nacional acima da pregação ideológica. Isso não significa que a retórica do atual governo vá mudar. Ela deve continuar para alcançar objetivos políticos internos do interesse presidencial, mas é possível especular que foram criadas condições para que o governo possa desenvolver políticas internas e externas mais pragmáticas com visão de médio e longo prazos.
Os mais de dez militares, nas funções públicas que ocupam atualmente, têm reiterado suas convicções democráticas, apesar de alguns excessos retóricos, e atuam acima de interesses clientelísticos ou partidários, como vimos nesse primeiro ano de governo.
Resta saber como a alta assessoria militar do presidente vai enfrentar os desafios a que está sendo submetida.
A coordenação com o Congresso Nacional no encaminhamento, discussão e votação das reformas tributária e administrativa e as políticas a serem aprovadas em âmbito federal no Conselho da Amazônia serão talvez os desafios mais importantes do grupo militar. A política ambiental e as ações na Amazônia, tendo em vista a mudança no cenário internacional e a vinculação de empréstimos e investimentos e de boicote de consumidores a políticas de desenvolvimento sustentável, deverão estar no centro das preocupações do Planalto nos próximos anos. Até pela necessidade de convencimento de alguns governos e parlamentos europeus para a ratificação do acordo do Mercosul com a União Europeia.
Na área externa, pelos efeitos internos e externos imediatos, podem ser lembradas as tratativas com o novo governo da Argentina, em especial no comércio exterior e no processo de integração regional; com Israel no tocante à mudança da embaixada para Jerusalém, de interesse dos evangélicos; as incerteza acerca do alinhamento com os EUA à luz das eleições presidenciais norte-americanas e de decisões que poderão ter efeito sobre o relacionamento com a China, como, por exemplo, a estratégica e urgente decisão sobre a licitação do 5G; e, pelas relações entre as Forças Armadas dos dois países, a Venezuela, onde o Brasil poderia ter papel relevante nas negociações para a democracia, sem abrir mão da posição crítica ao governo de Maduro – como estão fazendo os EUA e o Canadá.
*Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)