Um ano atrás, em seu discurso de posse, o ministro de Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque, que tão bem conhece o setor nuclear brasileiro, disse que o atual governo pretende “estabelecer um diálogo objetivo, desarmado e pragmático com a sociedade e com o mercado sobre o programa nuclear, fonte estratégica da matriz energética brasileira. O Brasil não pode se entregar ao preconceito e à desinformação desperdiçando duas vantagens competitivas raras que temos no cenário internacional – o domínio da tecnologia e do ciclo do combustível nuclear e a existência de grandes reservas de urânio em nosso território”.
No pós-pandemia, a redução das vulnerabilidades nacionais vai ser um dos desafios para o governo. Levando em conta as novas circunstâncias globais e a necessidade de o Brasil ter capacidade de assegurar suprimento de suas necessidades essenciais com base na produção local, além da manutenção da política que permita o monitoramento de materiais nucleares, torna-se urgente que sua exploração e comercialização sejam privatizadas.
Dada as características estratégicas da utilização desses minérios, seria importante associar o setor privado aos trabalhos da empresa Indústrias Nucleares do Brasil (INB), estatal responsável pela política de lavra e comercialização do urânio e das terras raras. As restrições orçamentárias, agravadas pelo esforço de reconstrução do País, certamente vão continuar a afetar a capacidade de investimento da empresa estatal. A perspectiva de aumento da produção deles será facilitada pela eventual parceria com o setor privado na exploração mineral. A solução dessa dificuldade vem sendo buscada e uma das possibilidades é a formação de consórcio entre a INB e empresas privadas. Existe uma série de situações intermediárias em que a venda do urânio secundário extraído pela INB poderia ser lucrativa tanto para o minerador como para a estatal. A solução deste impasse não precisaria passar pela revogação do monopólio, mas provavelmente necessite de alteração na legislação.
A recessão global pós-covid-19 pode abrir uma janela de oportunidades. A retomada da economia global e o gradual retorno do mercado externo representarão incentivos para o investimento privado. O Brasil possui a segunda maior reserva global de terras raras, considerado mineral estratégico, e a sexta maior de urânio, embora ainda o importemos para o abastecimento das duas usinas nucleares em funcionamento. Além desse minério, a demanda global por terras raras para diversificar as fontes de seu suprimento coloca o Brasil em posição privilegiada não só para atrair novas tecnologias, como também para participar de um promissor mercado externo para o urânio enriquecido. O interesse externo pelas reservas brasileiras é grande. Impõe-se a aprovação de regras claras de longo prazo que defendam o interesse nacional e possam atrair investimento para a exploração dessa riqueza.
Outro setor que merece idêntico interesse é o de utilização da tecnologia nuclear na saúde – a especialidade denominada medicina nuclear, responsável por milhares de diagnósticos que mudam a perspectiva e a conduta clínica de pacientes oncológicos, cardiológicos e mesmo neurológicos, e que recentemente começou a dar importante contribuição ao tratamento de pacientes oncológicos, com soluções mais adequadas para os casos de metástase do câncer de próstata, por exemplo. A produção e a comercialização de uma série de radioisótopos essenciais à medicina nuclear continuam sob o monopólio da União e sob dois órgãos, o Ipen e o IEN, autorizados a produzir para uso médico todos os demais radioisótopos. O ideal seria universalizar a oferta dos procedimentos da medicina nuclear, de forma a permitir que agentes privados produzam e comercializem os radioisótopos de uso médico, com o controle da CNEN.
O Congresso deveria examinar com urgência a flexibilização do monopólio para a produção de radiofármacos. A Constituição prevê, no artigo 21, XXIII, b), a autorização para a comercialização e utilização de radioisótopos para pesquisa e usos médicos, agrícolas e industriais. A produção e o desenvolvimento de radiofármacos no Brasil está longe de atender adequada e rapidamente à medicina nuclear, com prejuízo da população, seja na distribuição, seja na oferta de novos produtos. A flexibilização do monopólio, entre outras vantagens e benefícios, favorece maior desenvolvimento de novos radiofármacos, resolve o conflito de atribuições da CNEN, que vem historicamente questionando a produção x fiscalização, e permite a participação de empresa internacional como supridora regular do 99Mo e outros radiofármacos. O Brasil pode se transformar em fornecedor importante desses insumos médicos no mercado global.
O governo brasileiro constituiu o Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro, que, entre outras funções, deve analisar a conveniência de flexibilizar o monopólio da União na pesquisa e na lavra de minérios nucleares, coordenado pelo Ministério de Minas e Energia, e ainda na produção de radiofármacos, sob coordenação do Ministério da Ciência e Tecnologia, conforme previsto na PEC 517/2010.
PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE)