Agressões de Jair Bolsonaro às instituições democráticas e suas ameaças de ruptura institucional, bem como a delicada crise hídrica que o país atravessa, podem inibir a reanimação da economia brasileira
No primeiro semestre do ano, o Brasil registrou um crescimento econômico de 2,2%[1], pouco, diante da forte retração do ano passado, mas acima das expectativas pessimistas que temiam o impacto negativo da pandemia da Covid-19. Além da recuperação da economia mundial, com a expansão da demanda e dos preços de commodities, esse desempenho da economia contou com fatores internos, como a desvalorização cambial, estimulando as exportações da indústria, o reinício do auxílio emergencial e a adaptação de parte das empresas brasileiras à operação nas condições adversas da pandemia.
Mas o que caracterizou este primeiro semestre do ano foi o arrefecimento das restrições econômicas e as medidas de isolamento social, mesmo no meio de uma nova onda de propagação do vírus e com lento avanço da vacinação. Parecia que todos os governantes tinham assumido a aposta perversa, do Presidente Jair Bolsonaro, de imunização de manada. A economia se movia, enquanto o vírus fazia mais vítimas. Nos primeiros meses do ano, houve aceleração do número de casos e do registro de vítimas da Covid-19, chegando à dramática média móvel diária de 3.124 mortos, na segunda semana de abril. No semestre, morreram mais de 320 mil brasileiros de Covid-19, quase 60% acima do total de vítimas registradas em todo o ano de 2020.
Desde o final de abril, a mortalidade provocada pelo vírus vem declinando continuamente, provável resultado da regularização e ampliação da vacinação, com foco na população idosa e com morbidades. Mesmo assim, no final do semestre, a média móvel diária ainda alcançou inaceitáveis 1.303 vítimas, quando 88,7 milhões de brasileiros tinham recebido, ao menos, a primeira dose da vacina (cerca de 42% da população total). Em junho, a taxa de contaminação chegou ao nível mais baixo (0,88), acompanhada de um alívio na pressão sobre o sistema de saúde.
Com o modesto crescimento da economia, no semestre, seguindo a uma retração de 4,1% do PIB-Produto Interno Bruto, no ano passado, o desemprego permanece muito alto, as famílias vulneráveis afundaram na pobreza, milhares de famílias enfrentando a fome, e as desigualdades sociais se acentuaram. De acordo com a FGV-Fundação Getúlio Vargas, o Índice de Gini estava em 0,642, no primeiro trimestre de 2020, subindo para 0,669, no final daquele ano e dando novo salto para chegar a 0,674, no primeiro trimestre deste ano. Além disso, a aceleração da taxa de inflação, no primeiro semestre, cerca de 8,35%, em doze meses, agrava a pobreza e não autoriza muito otimismo de crescimento, pelo que representa de instabilidade macroeconômica e aponta para provável elevação da taxa de juros.
Considerando que se mantenha o ritmo atual de vacinação (pouco mais de um milhão de aplicações diárias), a contaminação e a taxa de mortalidade de brasileiros pela Covid-19 devem declinar rapidamente no semestre. Será possível, então, aliviar as restrições às atividades econômicas e às medidas de isolamento social, estimulando a reanimação da economia brasileira. Os especialistas e institutos apostam em um crescimento econômico em torno de 5%, em 2021 (Boletim Focus estima em 5,27%, e o IPEA, 4,8%). Embora a pandemia possa continuar atrapalhando a retomada mais forte da atividade econômica, o avanço da vacinação e o ambiente externo favorável podem confirmar essas expectativas de crescimento. Mesmo assim, nada significativo, considerando a queda de 4,1% do PIB registrada em 2020.
Por outro lado, algumas grandes pedras no caminho podem atrapalhar a esperada reanimação econômica, mesmo que se confirmem a aceleração da vacinação e o controle da pandemia. Os soluços políticos do Presidente Jair Bolsonaro, suas agressões às instituições democráticas e suas ameaças de ruptura institucional provocam grave instabilidade e incerteza política e econômica. O descontrole verbal e as movimentações golpistas do presidente crescem na medida em que aumenta sua rejeição nas pesquisas e surgem acusações sérias de prevaricação, crime de responsabilidade e denúncias de corrupção, na Comissão Parlamentar de Inquérito. Como resposta, Bolsonaro conspira nos quartéis e se agarra com o Centrão, retirando a fantasia de inimigo da “velha política” para vestir um salva-vidas político que evitaria um processo de impeachment.
Não bastasse a instabilidade política, o Brasil está atravessando delicada crise hídrica que ameaça a reanimação da economia pela incerteza da oferta de energia elétrica e pela elevação das tarifas (provocada pela ativação das usinas termelétricas), com novo impulso inflacionário. O Boletim Focus sinaliza para uma taxa de inflação de 6,31%, em 2021, superando, em muito, o centro da meta (3,75%) e mesmo o teto de 5,25%. O risco de apagão e racionamento tem sido descartado, mas o próprio Operador Nacional do Sistema Elétrico anunciou a possibilidade real de esgotamento de praticamente todos os recursos energéticos até novembro.
Tudo indica, portanto, que mesmo submergindo da pandemia e da retração econômica, no segundo semestre, não faltarão conflitos políticos e incertezas econômicas para inibir o crescimento da economia brasileira no restante deste ano.
[1] Crescimento de 1,2% no primeiro trimestre (Banco Central) e estimativa de 0,1% para o segundo trimestre (IPEA)
Saiba mais sobre o autor
*Sérgio C. Buarque é economista com mestrado em Sociologia, professor da Universidade de Pernambuco (UPE), consultor em planejamento estratégico com base em cenários e desenvolvimento regional e local, sócio da Multivisão Planejamento Estratégico e Prospecção de Cenários e da Factta Consultoria, Estratégia e Competitividade. É sócio fundador da Factta Consultoria. Fundador e membro do Conselho Editorial da Revista Será? e membro do Movimento Ética e Democracia.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de agosto (34ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.