Diante de uma provável vitória de Joe Biden, Bolsonaro está seguindo o conselho de John Bolton, ex-secretário de Segurança Nacional de Trump, que recomendou ao Brasil fazer pontes com o candidato democrata. O desafio geopolítico talvez seja o dilema mais sério para o governo brasileiro, caso Trump seja derrotado
As pesquisas de opinião oscilam, mas passou a haver chance real de Joe Biden vencer as eleições presidenciais de novembro, com mudanças significativas nas políticas econômica, ambiental e externa nos EUA. A incerteza deriva do sistema eleitoral dos EUA, no qual o presidente é eleito não por voto majoritário, mas por um colégio eleitoral, formado por delegados dos 51 estados, alguns dos quais divididos, como Pensilvânia, Michigan, Flórida, com resultados imprevisíveis, pela mudança de sua maioria em cada eleição.
O Partido Democrata, no governo, implementará uma política econômica com forte viés nacionalista, para recuperar o dinamismo da economia e reduzir o desemprego, com grande ênfase em políticas ambientais (Green New Deal). Os EUA deverão assinar o Acordo de Paris e voltarão a dar prioridade aos organismos multilaterais, com o consequente retorno à Organização Mundial de Saúde, ao fortalecimento da OMC e da ONU. Temas como salvar o acordo nuclear com o Irã, o reingresso no acordo comércio com a Ásia (TPP), a relação com a Europa (OTAN) e a saída do Reino Unido da União Europeia estarão altos na agenda.
As crescentes tensões geopolíticas entre os EUA e a China deverão continuar e mesmo ampliar-se nas áreas comerciais, tecnológicas e militares, pois Beijing é tratada hoje como um adversário pelo establishment norte-americano. A presença da China na América do Sul poderá trazer o conflito geopolítico para a região. A decisão do governo de Washington, de apresentar candidato para a presidência do BID, contra um candidato brasileiro, pode ser o indicio de um renovado interesse político dos EUA para conter Beijing na América do Sul.
Qual o impacto sobre as relações Brasil-EUA?
Em uma de suas lives semanais, o presidente Jair Bolsonaro comentou o cenário da eleição presidencial americana. Confirmou que torce por Donald Trump, mas que vai tentar aproximação, caso Joe Biden seja o vencedor. “Se não quiserem, paciência”, simplificou. Bolsonaro ouviu e está seguindo o conselho de John Bolton, ex-secretário de Segurança Nacional de Trump, que recomendou ao Brasil fazer pontes com o candidato democrata, ao contrário do tratamento que está sendo dado ao presidente Fernández, da Argentina.
Nesse contexto, é importante ter em mente a distinção entre a relação pessoal Bolsonaro-Trump e a institucional entre as burocracias brasileira e norte-americana. Caso Biden seja eleito, vai terminar a relação especial com Trump por influência ideológica. Em termos institucionais, o relacionamento bilateral, de baixa prioridade, deve continuar nas mesmas bases em que ocorre hoje. Mesmo no governo Trump, o Comitê de Orçamento da Câmara, um relatório do Departamento de Estado e carta de deputada democrata criticaram o governo brasileiro e pediram que não seja negociado nenhum acordo comercial com o Brasil, que haja sanções contra Brasília por conta das políticas ambiental e de direitos humanos, e que seja vetada ajuda na área de defesa ao Brasil como aliado da OTAN.
Um futuro governo democrata tenderá a ampliar essas críticas e afastar-se das posições brasileiras nos foros internacionais. O alinhamento com os EUA, nem sempre explicitado nas relações bilaterais, torna-se automático quando se trata de votações de resoluções sobre costumes, mulheres, direitos humanos, saúde e sobre o Oriente Médio nos organismos multilaterais (ONU, OMS, OMC). Em muitos casos, o Brasil fica isolado com EUA e Israel e, na questão de costumes, apenas com países conservadores (Arábia Saudita, Líbia, Congo, Afeganistão). O tema da Amazônia, em vista da prioridade ambiental democrata, se sair do âmbito da burocracia e ganhar relevância na opinião pública, poderá contaminar a relação bilateral e afetar o financiamento e infraestrutura por parte de instituições públicas e privadas internacionais.
O desafio geopolítico talvez seja o dilema mais sério para o governo brasileiro, caso Biden vença a eleição. O Brasil vai ter de decidir se fará uma opção (evitada pela maioria dos países europeus e asiáticos) por um dos lados ou se preferirá permanecer equidistante nessa disputa. Eventual oposição à tecnologia chinesa no 5G e apoio à proposta dos EUA na OMC sobre a participação apenas de países de economia de mercado – o que excluiria a China – indicariam que o Brasil teria escolhido seu lado. Os EUA convencerão o Brasil a ficar contra a China? Levando em conta que a disputa entre as duas potências está apenas começando e durará por muitas décadas, manter-se equidistante parece ser a melhor atitude na defesa do interesse nacional.