RPD || Paulo Baía: O grito da floresta

A operação Akuanduba, deflagrada pela Polícia Federal em 19 de maio, apura suspeita de facilitação à exportação ilegal de madeira do Brasil para os Estados Unidos e a Europa. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, é um dos investigados
Foto: Adriano Machado/Reuters
Foto: Adriano Machado/Reuters

Ouço os tambores tocarem dentro da floresta, sinto-me transportado para dentro de um ritual indígena para que a floresta reassuma seu lugar. A pele parda dourada do índio exala o odor da terra e das matas, carrega em seu corpo a vida que renasce todos os dias. É o veio das águas pulsando e tornando a vida possível. Na última quinta-feira, 19 de maio de 2021, foi deflagrada uma operação denominada de Akuanduba, que, segundo a mitologia dos índios Araras do Pará, representa a força de uma divindade que toca uma flauta para restabelecer a ordem na tribo. As regras precisam ser cumpridas, e a ordem significa a garantia de que a vida existe para ser vivenciada em sua plenitude junto à natureza e aos rituais de fartura e prosperidade, para que a tribo esteja segura. É o desejo da Polícia Federal , quando fez a Operação contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e as demais autoridades ligadas ao crime de corrupção, pelo contrabando de madeiras.

O Brasil tornou-se um país carregado por investigações, operações e desmandos em todas as esferas. A ordem não existe, e quem sabe a divindade Akuanduba não deseja, por meio do toque de sua flauta, restabelecer o organismo da natureza, recolocando-a em sua ordem natural, após a Polícia Federal ter sido informada pela Embaixada americana que três cargas de madeira da empresa Tradelink foram apreendidas no Porto de Savannah, no estado da Georgia, por problemas de documentação. O ministro está implicado por ter feito movimentação financeira estranha, por meio do escritório de advocacia do qual é sócio.

A corrupção bateu não só na porta do ministro, mas também do Ibama. É a destruição corroendo a Floresta Amazônica pela exportação ilegal de madeira, pelo desmatamento e a transformação da floresta num deserto de impossibilidades. É a ordem dos índios sendo desfeita pelos desmandos do homem branco, que deseja continuar vivendo da exportação do “pau-brasil” em tempos coloniais para o enriquecimento de poucos por meio de atividades extrativistas de exploração. Os tambores permanecem soando nos meus ouvidos, a floresta pulsa e se ressente dos desmandos de um governo que deseja enriquecer os criminosos de diversas áreas. Akuanduba aumenta o som da flauta pelo tamanho da desordem instituída pelo próprio governo federal ao autorizar a prática ilícita.

De acordo com a investigação, a Tradelink exportou madeira ilegal sem autorização prévia do Ibama, pelo menos em sete ocasiões: cinco contêineres destinados aos EUA, um para a Dinamarca e um para a Bélgica. Em 17 de janeiro, as autoridades norte-americanas foram avisadas sobre a procedência da carga, e o material foi apreendido. A operação foi deflagrada por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF, que também determinou o afastamento do presidente do Ibama, Eduardo Bim, por suspeita de irregularidades. A operação não foi comunicada à Procuradoria-Geral da República . É importante ressaltar que o atual ministro do Meio Ambiente não é um novato na área. Ele foi secretário de estado do meio ambiente de São Paulo nos governos de Geraldo Alckmin.

Ricardo Salles trabalha na lógica de desfazer todas as regulamentações ambientais implantadas desde 1972 com a primeira Conferência de MA da ONU, em Estocolmo, revogar a constituição de outubro de 1988. Ele é o porta-voz e o CEO do empresariado paulista em suas ramificaçõe s nas regiões Centro-Oeste e Norte . É um lobista com apoio e expertise de destruição lastreada em uma sólida carreira de gestor público. É do Partido Novo, foi candidato a deputado federal, tendo como pauta o assassinato do Estado em todas as áreas, matas e florestas derrubadas, vendidas ou queimadas como emblema de sucesso na visão escatológica dos laranjas do Novo, dos “Joãos Amoedos”. Agora, no dia 31 de maio, a Procuradoria-Geral da República faz um pedido formal para que o Supremo Tribunal Federal faça o que já está fazendo, investigar criminalmente Ricardo Salles e sua turma de “motosserradores” e contrabandistas.

A floresta respira e busca, por meio dos índios, permanecer viva para continuar se reproduzindo, apesar do homem branco e do seu desejo não de progresso e desenvolvimento, mas de matar o chão do qual vivem e cuidam. O ritual ressoa na minha cabeça, e os tambores tocam para mostrar o quanto a força de Akuanduba necessita de ajuda para continuar tocando sua flauta e reorganizar uma ordem que vive pelo avesso e derruba não apenas as árvores, mas busca a exportação ilegal de madeiras colocando a floresta dentro de uma política alijada da lei, da Constituição – uma política que flerta o tempo inteiro com o apelo à morte da democracia e com a barbárie.

Paulo Baía é graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF), doutor em Ciências Sociais pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e pós-doutor em História Social pela UFF. É professor do Departamento de Sociologia da UFRJ e coordenador do Núcleo de Sociologia de Poder e Assuntos Políticos.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de junho (32ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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