RPD || Paulo Baía: O beijo na lona

No ringue da CPI da Covid, a oposição, liderada por Renan Calheiros, busca comprovar os crimes cometidos pelo governo Jair Bolsonaro frente à maior crise sanitária dos últimos cem anos, que já matou mais de 400 mil brasileiros
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O boxe é um esporte de combate onde o pugilista utiliza os punhos para desferir os golpes. Quando o adversário é jogado na lona, acontece o nocaute. Os golpes permitidos são no rosto e abdômen. Golpe abaixo da cintura é chamado de golpe baixo, eliminando o lutador. Um golpe do queixo para cima pode ir direto até o tronco cerebral, levando o lutador ao chão. Existe o cruzado, mais conhecido como direto no Brasil. O segredo está no balanço do tronco e dos punhos para atingir o oponente, numa dança que avança milimetricamente por golpes, traçando uma estratégia a partir dos pontos fracos do adversário. O importante é fazer com que o adversário caia e beije a lona. 

A CPI da Covid certamente terá comportamento similar a uma luta de boxe. Os pugilistas entram em cena e querem impor suas narrativas. A disputa ocorre entre governistas e oposição no ringue, procurando retirar das investigações ações que demonstrem os crimes cometidos pelo governo Jair Bolsonaro frente à maior crise sanitária dos últimos cem anos. 

Em tempos de globalização, um vírus surgido numa cidade da China através de um animal silvestre se espalhou pelo mundo rapidamente, causando grande número de mortes, colapsando diversos sistemas de saúde, desde os países ricos até os periféricos. Se a realidade é dolorosa pela contaminação do vírus em si e seus desdobramentos, aumenta-se exponencialmente a crise sanitária com um governo negacionista, incapaz de aceitar a ciência, com o desmonte das principais instituições de pesquisa. Não só ignorando a realidade pandêmica, mas também construindo discursos paralelos, causando conflitos entre o executivo, governadores e prefeitos. O caos foi instalado, e a maior parte da população se vê perdida entre falas contrárias e carregadas pelo confronto para dissimular a inoperância das políticas públicas sanitárias.

Não há dúvida dos crimes de responsabilidade cometidos por Jair Bolsonaro e seu governo: negligência do governo na compra de vacinas ao acreditar que o Brasil seria um mercado natural pela quantidade de cidadãos, criando a falsa ideia da mão invisível que tudo regula, esquecendo que numa pandemia mundial todos desejam comprar vacinas para atender suas populações; minimização da gravidade da pandemia; a posição contrária à adoção de medidas restritivas como o afastamento do convívio social; promoção do chamado kit de tratamento precoce sem comprovação científica; e o processo de militarização do Ministério da Saúde, destruindo diversas políticas já em funcionamento para o enfrentamento da doença e dificultando o acesso aos insumos pelos estados e municípios. 

Então, o ringue se abre, e entra em cena o Senador Renan Calheiros, um velho político experiente do MDB que passa a ser o relator da CPI, aquele que vai coordenar e encaminhar todas as fases de investigação, como os depoimentos dos ex-ministros da saúde e a busca de ofícios – entre outros documentos – para a requisição de vacinas, de insumos e de atendimento aos municípios com o material necessário para a contenção da pandemia. E o SUS, que sempre atuou em sua excelência atendendo todos os municípios do país, também colapsou com a intervenção do general Pazuello, que desmontou o trabalho para atender as exigências do presidente, em briga com os governadores, pensando apenas na reeleição. 

O papel de Jair Bolsonaro é o da destruição, de desmontar as políticas públicas que funcionam bem para implementar um governo que até hoje não sabemos a que veio. O pêndulo ora segue para o ultraliberalismo de Paulo Guedes, quando deseja vender as estatais, diminuir o auxílio emergencial, fazer corte de gastos em cima do congelamento dos salários, reformas que até hoje não saíram do papel; e, em outro momento, persegue o nacionalismo estatizante e corporativista, onde os lobbies buscam ter suas demandas atendidas. Mas no meio do caminho existe uma luta de boxe em que uma das partes pode vencer por nocaute, atingindo em cheio o queixo do adversário, fazendo-o beijar a lona como o principal responsável pelas 400 mil mortes do país, pelo descontrole da pandemia que cria variantes do vírus, sendo portanto enquadrado em crime praticado contra a humanidade por negligência, incompetência, desmandos autoritários, negação da ciência, acarretando diversas mortes, numa grande desorganização nacional, onde não existe comando, apenas golpes baixos que o tornam um franco candidato à eliminação pelo jogo sujo e ilícito. 

*Paulo Baía é sociólogo, cientista político e professor da UFRJ. 

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de maio (31ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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