Brasil vive etapa do fingimento na política nacional. Governo Jair Bolsonaro tenta evitar confrontos com os presidentes das casas legislativas e com os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) enquanto amplia acordo com os partidos do Centrão
Jair Bolsonaro e seu Estado Maior vão tocando o dia a dia da política nacional, como diz no linguajar popular, através da prática de ir cozinhando o galo. A relação estabelecida com o Congresso Nacional é a do não confronto com os presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre. E trataram de ampliar o diálogo com os partidos políticos – PSDB e MDB –, principalmente com o deputado emedebista Baleia Rossi.
Aparentemente, Jair Bolsonaro não participa da campanha para a Presidência da Câmara dos Deputados, fazendo com que os partidos fisiológicos, autodenominados de Centrão, sem se caracterizarem realmente como um centro político, finjam desconforto com o governo, mas aceitem com alegria as nomeações nos terceiro e quarto escalões da República. Além de estarem focados nas facilidades que o Governo Federal está oferecendo às campanhas municipais a serem realizadas nos dias 15 e 29 de novembro de 2020.
Apesar do descontentamento pela derrota sofrida com a aprovação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) por uma maioria qualificada, tornando-se permanente, o governo manteve-se com uma postura de aceitação. O Fundeb deixou de ser um programa e passou a ser uma política de Estado constante e de interligação entre os entes federados – municípios e estados –, e não mais como uma relação federativa formal. Inclusive, até 2023 o Governo Federal terá que efetuar uma crescente participação para a manutenção do fundo.
Como efeito da aprovação do Fundeb temos a discreta e não surpreendente nomeação para secretária da Educação Básica do MEC, da professora Izabel Lima Pessoa, experiente servidora pública com presença marcante em todos os governos, desde FHC até Michel Temer. E com ótimo trânsito na quase totalidade das secretarias municipais e estaduais de educação.
A pandemia do coronavírus permanece ativa e potente, e atingiu a triste marca de mais de 100 mil brasileiros mortos. No entanto, prefeituras e estados vêm flexibilizando o retorno de todas as atividades econômicas como parte da estratégia do Governo Federal, pensando no reaquecimento da economia, grande preocupação do presidente Bolsonaro, visando às eleições presidenciais de 2022.
Na parte educacional, as universidades públicas retomam o ensino de graduação de maneira remota, com apoio, apesar de discreto, aos estudantes carentes a partir da doação de chips e de uma bolsa para compra de computadores. O governo estenderá o auxílio emergencial até dezembro, pensando nos efeitos produzidos na aprovação do presidente nos segmentos mais pobres e sacrificados da população brasileira. O ministro da Economia, Paulo Guedes, também finge que governa e estabelece diálogo sobre a reforma tributária com empresários, parlamentares, governadores e prefeitos, os quais fingem escutar e até concordar com a dita reforma.
Entramos para a etapa do fingimento na política nacional e no governo Jair Bolsonaro. Entretanto, como contraponto de realidade política, temos uma economia política da vida emergindo para milhões de brasileiros num experimentalismo comunitário vigoroso. Podemos falar do caso da auto-organização de comitês de favelas e periferias num processo de defesa potente da vida e dos meios de sobrevivência; estão se reinventando.
No início do mês de julho, Jair Bolsonaro e seu governo praticavam um silêncio pragmático para enfrentar as decisões do STF, como no caso do inquérito contra as fake news, tendo surgido um forte rumor de reuniões do presidente com forças militares para dissolver o STF, relatado pela revista Piauí. Já em agosto, inicia-se uma postura de fingimento de que não existe uma crise política profunda e ampla, potencializada pelos impactos paralisantes da Covid-19 em parceria com o ineficaz e desastroso liberalismo da morte do ministro Paulo Guedes e sua equipe.
Por sua vez, a oposição finge que faz oposição num universo paralelo e ficcional justamente por sua não atuação nas práticas políticas reais e eficazes para criar e manter um debate sobre a situação sanitária, política e econômica do país. Podemos afirmar que o signo do mês de agosto de 2020 se dá através da relação entre o fingidor e o fingimento numa tentativa de colocar a sociedade brasileira diante de um enigma. Sendo que Édipo será incapaz de decifrá-lo por se tratar de uma esfinge com signos claros de uma republiqueta do submundo periférico.
*Paulo Baía é sociólogo e cientista político.