RPD || Octavio Amorim Neto: Bolsonaro, militares e democracia

Foto: Isac Nóbrega/PR
Foto: Isac Nóbrega/PR

Governo Bolsonaro tem nos militares um de seus pilares, constituindo base de apoio e instrumento de intimidação

Para compreender as relações entre Bolsonaro, os militares e a democracia, é necessário identificar a fórmula governativa do atual presidente. 

Trata-se de uma presidência em minoria no Congresso e na população e que governa para essa minoria, excluindo de forma enfática e hostil amplos setores da sociedade. Além disso, a ênfase das políticas públicas implementadas pela gestão Bolsonaro está na distribuição de bens privados para a referida minoria, em detrimento da distribuição de bens públicos. O melhor exemplo da falta de interesse por bens públicos encontra-se no descaso com a saúde e a educação. 

Todavia, a formação de um governo minoritário hostil às maiorias e pouco afeito à provisão de bens públicos não é suficiente para resolver a equação de governabilidade de um presidente numa democracia, pois tal governo seria frágil e vulnerável demais, podendo rapidamente ser removido. A equação se resolve com a mobilização de seus apoiadores radicais contra as instituições e a ameaça frequente de uso das Forças Armadas – “o meu Exército” – contra opositores. 

Portanto, sob Bolsonaro, os militares se tornaram um dos pilares do governo, uma vez que constitutem base de apoio, fonte de quadros administrativos e instrumento de intimidação da oposição e das instituições de controle. 

Ao longo de toda a presidência de Bolsonaro, a probabilidade de ameaça de uso dos militares para intimidar opositores tem sido uma função da fraqueza do chefe de Estado. Quanto mais fraco no Congresso ou na opinião pública, mais a ameaça é feita. 

O auge das tentativas de vergar as instituições com a ameaça do uso da força se deu no dia 10/08/2021, quando houve, por ordem do presidente, desfile de veículos de combate em Brasília – justamente no dia em que o Congresso votaria – e derrotaria – o principal item do programa da extrema-direita bolsonarista, a proposta de emenda constitucional que restabelecia o voto impresso. 

Um dos aspectos mais impressionantes do referido desfile foi o fato de os veículos de combate pertencerem à Marinha. Esta era considerada, até então, a Força mais distante politicamente de Bolsonaro. Assim, com o desfile de 10 de agosto, o presidente completou o trabalho de entrelaçamento da imagem das três Forças a seu governo, uma vez que a Aeronáutica – sobretudo a partir da posse, em março de 2021, do Brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior como comandante da FAB – também passara a ser vista como outra Força intimamente ligada ao bolsonarismo. 

O Exército é e sempre foi o principal esteio político de Bolsonaro dentro das Forças Armadas. Sua imagem está indelevelmente ligada à do presidente – trata-se, afinal, do “meu exército”, nas palavras do chefe de Estado –, não obstante os esforços envidados pelo ex-comandante, General Edson Pujol, e pelo atual, General Paulo Sérgio de Oliveira, de separar a caserna da política. 

Apesar do entrelaçamento, o Alto Comando das três Forças deve estar insatisfeito com a confusa e ambígua situação em que se encontram, apesar de todos os benefícios materiais que lhes trouxe o atual governo. Afinal de contas, os comandantes da Marinha, Exército e Força Aérea têm rechaçado a ideia de golpe de Estado. 

Ou seja, as Forças Armadas brasileiras estão caminhando sobre uma corda bamba esticada entre a rejeição a aventuras golpistas e a lealdade que devem a Bolsonaro como comandante-em-chefe. E a corda está trepidando cada vez mais, ao sabor das ameaças feitas pelo presidente. A situação vai continuar assim até o final do atual governo. 

As Forças Armadas precisam de ajuda civil para descerem da corda – e do lado da democracia. Por isso, a aprovação da emenda à Constituição proibindo militares do serviço ativo de exercerem cargos civis, proposta pela Deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), é passo fundamental, uma vez que eliminará um dos principais meios pelos quais Bolsonaro logrou confundir ativa com reserva e associar os quartéis à sua presidência. 


Octavio Amorim Neto é professor Titular da EBAPE/FGV 

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