Brasil precisa envolver e “traduzir” os interesses voltados aos níveis locais e estaduais nos Estados Unidos, com uma estratégia política detalhada e relevante, se quiser jogar bola em Washington, acredita Mark S. Langevin
A visão de Washington é delineada pelas bases estruturais assimétricas que desafiam as relações bilaterais no século XXI, apesar das inúmeras expressões de afinidade entre os dois povos e seus representantes cívicos e políticos. Muitos formuladores de política externa e estudiosos apontaram, com eloquência, a base estrutural das assimetrias geopolíticas que desafiam e, muitas vezes, prejudicam as relações bilaterais entre Brasília e Washington. Por exemplo, o debate atual sobre a aquisição da tecnologia de telecomunicações 5G, pelo Brasil, e a rivalidade estratégica entre a China e os EUA ressaltam as condições estruturais subjacentes que informam a visão de Washington sobre o Brasil.
No entanto, poucos líderes em Brasília têm formulado uma estratégia política detalhada e relevante para identificar exatamente o que o Brasil precisa dos Estados Unidos e a melhor forma de alcançá-lo. Por exemplo, durante o caso contencioso do algodão com os EUA, o Brasil seguiu uma saída pelo Sistema de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio, sem levar em consideração o fundamento político das políticas agrícolas dos EUA. Esta estratégia obteve sucesso incompleto. Contudo, a solução final para o caso foi alcançada quando a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) realizou uma série de reuniões com o National Cotton Council, entidade representativa dos produtores dos EUA, cultivando as condições políticas do acordo final, em outubro de 2014. O truque era entender a base local e estadual das políticas agrícolas das subvenções em questão e, então, agregar os interesses brasileiros a elas. O Brasil não pode mudar o modo de governar em Washington, ou Topeka ou Sacramento, mas precisa envolver e “traduzir” os interesses voltados aos níveis locais e estaduais, se quiser jogar bola em Washington.
Seja buscado pelos liberais conservadores ou social-democratas, o bem-estar da maioria dos brasileiros depende da abordagem das relações bilaterais por meio da luta persistente de alcançar metas concretas que aumentem o acesso do Brasil aos fundos internacionais de investimento, mercados e tecnologia visando a geração de empregos e o aumento da produtividade pelo aumento da participação brasileira nas cadeias globais de manufaturados e serviços de alto valor. Esse trabalho, necessariamente, se cruza com Washington, mas não exclusivamente.
A elite política dos EUA não pensa no Brasil como uma nação em desenvolvimento, mas um enorme mercado e concorrente ocasional. Para o governo do Presidente Joe Biden, a representação da elite política, liderada pelas grandes empresas de tecnologia da informação, está focada no campo da batalha da tecnológica avançada, de olho em como a inteligência artificial moldará o destino de nosso mundo e, certamente, o futuro dos EUA, e, consequentemente, o Brasil. Além disso, a maioria do Partido Democrata em Washington acredita, pela primeira vez, que o Brasil não é um ator responsável quando o assunto é mudança climática. Brasília está bem longe de Washington nesta conjuntura.
Enquanto isso, o governo Bolsonaro está focado em fraudes eleitorais inexistentes, a Embaixada do Brasil, em Washington, está em queda livre há anos e a Coalizão das Indústrias do Brasil (BIC) está sem teto. Como o Brasil pode defender seus interesses e subir a escada do desenvolvimento econômico e social sem aprofundar seu engajamento com os interesses econômicos e as forças políticas de Los Angeles a Nova York?
Ironicamente, o governo Biden, com seu embaixador especial para o clima, John Kerry, está trabalhando com os governos estaduais brasileiros para formar parcerias e encontrar soluções para proteger a Amazônia e promover o desenvolvimento sustentável. Certamente, esse esforço é visto em Washington como uma forma de aumentar a influência dos EUA sobre a governança global e avançar esquemas de desenvolvimento de baixo carbono, mas também pode ser uma lição para Brasília.
O Brasil pode se beneficiar de uma estratégia bilateral que aumenta os pontos da cooperação econômica e social por meio de engajamentos em níveis locais e estaduais, deixando Washington para os coquetéis e as cerimônias de assinatura de acordos. O Brasil precisa se instalar em Pittsburgh e Indiana, se quiser eliminar as tarifas do aço. Para liberalizar o comércio bilateral, eliminar a necessidade de visto para viajar para os EUA, e chegar a um acordo tributário bilateral que funcione para famílias de classe média brasileiro-americanas com ativos modestos em Boston e Belo Horizonte. O governo brasileiro e a sociedade civil precisam mais do que consulados, devem exigir organizações, com escritórios e funcionários em Atlanta e San Francisco, trabalhando lado a lado com suas contrapartes estadunidenses. Brasília precisa ver os EUA, não do ponto de vista de Washington, mas dos cafés e estádios de beisebol de Houston e Seattle, para virar o jogo bilateral. Let’s play ball!
Saiba mais sobre o autor
*Mark S. Langevin é PhD, Senior Fellow e professor da Schar School of Policy and Government, George Mason University. Assessor internacional de Horizon Client Access e diretor de BrazilWorks. Ele serviu como assessor internacional da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) de 2010 a 2018. Pesquisa e escreve extensamente sobre a formulação de política agrícola, energética e o comércio internacional do Brasil, bem como as relações entre Brasil e Estados Unidos.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de agosto (34ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
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