No Brasil, quem tiver mais de 50% dos votos válidos vence a eleição e leva a Presidência. Nos Estados Unidos, vence quem alcançar a maioria absoluta no colégio eleitoral
Para o brasileiro, é difícil entender o sistema eleitoral dos Estados Unidos, porque lá a escolha do presidente não se dá pelo voto direto, mas pelo colégio eleitoral.
A origem data da Constituição de 1787, quando o país ainda não era uma nação, ao reunir treze Estados organizados em uma confederação destituída de um poder central. Foi justamente durante a Assembleia Constituinte que o modelo federativo foi desenhado e, com ele, a maneira pela qual o chefe do Executivo seria escolhido.
A elaboração do sistema de escolha do mandatário atendeu a alguns interesses que estavam em jogo naquele evento, como, por exemplo, a necessidade de se estabelecer um mecanismo de mediação que pudesse deliberar sobre os votos populares, impedindo que a escolha da maioria fosse motivada por paixões momentâneas capitaneadas por líderes demagogos. Vale dizer: o sistema eleitoral da maior democracia do mundo foi elaborado para impor limites à democracia, reduzindo a participação da população na escolha direta de seu presidente.
Outro interesse em pauta dizia respeito à autonomia dos Estados que se congraçariam em uma nação. Temia-se que o voto direto beneficiasse os Estados mais populosos, ao passo que os Estados do Sul contavam com número maior de pessoas escravizadas, ou seja, menos eleitores. Um candidato que representasse os interesses da porção Norte do país ou concentrasse sua campanha nos Estados mais populosos, poderia, assim, sagrar-se vitorioso e pôr em risco a capacidade de representação das demais unidades da Federação.
O colégio eleitoral apresentou-se, portanto, como uma solução capaz de atribuir maior representatividade aos Estados menores, uma vez que a vitória nas eleições já não seria daquele que obtivesse um número maior de votos, mas de quem conseguisse garantir a maioria dos delegados no colégio eleitoral.
O colégio eleitoral, por sua vez, é formado por delegados indicados pelos partidos e escolhidos pelos eleitores no dia da eleição. No modelo atual, ele é composto por 538 delegados, número equivalente ao total de assentos no Congresso americano (100 senadores e 435 deputados), mais 3 delegados advindos do Distrito de Colúmbia. A distribuição dos delegados entre os Estados se dá de acordo com sua densidade demográfica. Daí porque a Califórnia possui o maior número de delegados, 55.
De tal maneira, seguindo o modelo estabelecido, o candidato que vence em um Estado, mesmo que seja por diferença mínima de votos, leva para sua conta todos os delegados que estavam em disputa, tendo ou não votado nele. Isto é: o vencedor leva tudo.
Esse formato permite algumas anomalias. Poe exemplo: um candidato pode ser eleito sem que obtenha um único voto em 39 Estados da Federação, desde que vença, mesmo que pela margem mínima de votos, em pelo menos 11 desses 12 Estados: Califórnia, Nova York, Texas, Flórida, Pensilvânia, Illinois, Ohio, Michigan, Nova Jersey, Carolina do Norte, Geórgia ou Virgínia.
Existem algumas barreiras para impedir o êxito dessa estratégia de privilegiar os Estados populosos, com vistas à construção da maioria no colégio eleitoral. Por conta de peculiaridades em sua cultura política, algumas unidades da Federação se consolidaram como eleitoras históricas de um dos dois grandes partidos nos EUA. São os chamados Safe States. Existem, também, aqueles Estados que não possuem seus votos consolidados e que mudam de lado a cada uma ou duas eleições. São os chamados Swing States. Esta característica pendular faz com que seja justamente nesses locais onde a eleição “realmente acontece”, conhecidos pela alcunha de “Campos de Batalha”.
Nas eleições deste ano, ao menos três dos chamados Swing States aparecem como campos de batalhas: Wisconsin, Flórida e Pensilvânia. A novidade são os Estados que historicamente votam com os republicanos e que, agora, aparecem em disputa: Georgia, Arizona e Carolina do Norte. Desses, o Arizona é aquele em que Joe Biden aparece com melhor chance de vitória.
Neste exato momento, a corrida eleitoral ganha contornos de indecisão. Após três meses de muitos tumultos em torno da figura de Donald Trump – causados pela derrubada do PIB, pelas mortes causadas pela Covid-19 e pelas manifestações antirracistas –, em que uma vitória esmagadora de Biden parecia se desenhar, o atual presidente se recuperou nas pesquisas, aumentando sua vantagem em Estados ameaçados, como o Texas, e aproximando-se de seu opositor em dois campos de batalha: Flórida e Pensilvânia.
De certa maneira, a economia começa a dar sinais de recuperação e isso pode ser bom para Trump. Além disso, o aumento das tensões em torno das manifestações étnicas é uma carta que ele mobiliza com frequência, tentando plantar o medo, vendendo a imagem de Biden como se fora a marionete da ala radical do partido, atrelada àqueles movimentos. Por outro lado, o candidato democrata sai-se bem em temas que são tidos como muito importantes entre os eleitores independentes – a questão climática e a crise do coronavírus – com as quais, estimam, Biden saberá lidar com mais competência.
Hoje, dos temas centrais que norteiam a escolha do próximo presidente, cinco despontam com particular importância: pauta étnica, economia, relações com a China, coronavírus e questão climática. Biden parece ter dois pontos seguros a seu favor, ao passo que Trump luta para consolidar seu posicionamento em ao menos dois deles também. Apenas a China está em aberto. Ambos os candidatos coincidem em que a China é um problema para a América.
Trump tem acrescentado pauta própria e muito sensível ao eleitor de direita do país, a ênfase na lei e na ordem, sua plataforma preferida na tentativa de alertar a população do país contra os efeitos da campanha de Biden, de maior aproximação com as minorias étnicas. Que, para o candidato republicano, são precisamente os agentes principais das ameaças à segurança interna dos Estados Unidos. O dia das eleições dirá de que lado se alinhará o eleitorado do país.
*Marcos Sorrilha é professor Doutor do Departamento de História da Universidade Estadual Paulista, Campus de Franca.