RPD || Marcos Sorrilha Pinheiro: O papel de Gramsci no pensamento de Olavo de Carvalho

Olavo de Carvalho recorre ao conceito de hegemonia de Antonio Gramsci para interpretar o mundo e a construção da Nova Era, apropriando-se do paradigma gramsciano da política-hegemonia, avalia Marcos Sorrilha em seu artigo.
Reprodução/Internet
Reprodução/Internet

Olavo de Carvalho recorre ao conceito de hegemonia de Antonio Gramsci para interpretar o mundo e a construção da Nova Era, apropriando-se do paradigma gramsciano da política-hegemonia, avalia Marcos Sorrilha em seu artigo

O termo Nova Era foi bastante difundido entre os círculos católicos da Renovação Carismática na década de 1990, bem como entre os evangélicos “neopentecostais”. A premissa era a seguinte: existiria um plano global para retirar as pessoas do caminho de Deus e implementar uma Era capaz de colocar um fim no cristianismo. A execução desse plano se daria por várias frentes, com destaque à Indústria Cultural, seus produtos e produtores: filmes, artistas, músicas etc. Por meio de tais obras, seriam transmitidas mensagens capazes de influenciar a humanidade para a adoração de um outro senhor que não Cristo. 

 Esta ideia ganhava contornos maiores quando entrava na seara da autoridade política. Pois, fruto de um conluio multinacional, acreditava-se que empresas e nações imporiam, num futuro breve, o registro de pessoas com um código de barras no punho ou na testa: a temível marca da Besta.

 Evidentemente, trata-se de uma teoria da conspiração e, para que haja engajamento, se deve concordar com algumas premissas que não possuem validação científica, como o poder sobrenatural e a existência de entidades celestes. Existe, portanto, certo nicho ou campo de abrangência até onde a ideia pode atingir: setores do cristianismo.

Por que isso é importante? A lógica por trás disso se assemelha à forma pela qual Olavo de Carvalho interpreta o mundo. Porém, no lugar do demônio, está o Comunismo e, para além dos artistas, aparecem os intelectuais, os responsáveis pela elaboração desse plano sombrio. No lugar da atuação do demônio, ele transfere aos mecanismos de transmissão de cultura a responsabilidade pela difusão planetária de tais mensagens. Por fim, o equivalente ao inferno seria um futuro composto pela submissão dos incautos à elite global. Tudo isso ocorreria quando as pessoas fossem apartadas dos “verdadeiros” valores ocidentais (o judaico-cristianismo, o conservadorismo político e o nacionalismo), aderindo a um novo conjunto de regras e morais globalistas hegemônicas.

 A palavra hegemônica é fundamental para entendermos como se daria a construção da Nova Era na versão de Olavo de Carvalho. Na verdade, não se trata apenas de uma palavra, mas de um conceito elaborado por Antonio Gramsci no início do século XX. Segundo Gramsci, o conceito de hegemonia retirava o socialismo do plano revolucionário e o trazia para o paradigma político/democrático. Em Gramsci, a construção de uma sociedade igualitária, principalmente no Ocidente, não se daria mais pela revolução, mas pela articulação do campo político, por meio da difusão de valores, tradições e ideias junto ao sistema nervoso das sociedades: a cultura.

 Para tanto, os partidos e seus intelectuais deveriam atuar como sujeitos articuladores dessa cultura, lançando mão dos aparatos próprios para sua mobilização: a mídia, a escola, as artes etc. À medida que tais ideias fossem ganhando maior abrangência e concordância entre os cidadãos, seria aberta a possibilidade de que líderes comunistas fossem eleitos pelo voto e, uma vez no comando do Estado, lançariam mão das ferramentas do poder para organizar a sociedade em torno de seus ideais, convertendo-os em uma hegemonia. 

 Assim, Olavo de Carvalho recorre ao conceito de hegemonia gramsciano, pois entende que, com o ocaso da União Soviética, Gramsci se converteu no grande paradigma de atuação da esquerda global. Por meio de seus métodos (a contaminação da cultura com valores marxistas), foi possível aos intelectuais gramscistas o predomínio junto às principais instituições internacionais responsáveis pela elaboração de estratégias de desenvolvimento global, como a ONU, a OMS, ONGs etc., transformando pautas da esquerda em pautas da própria humanidade.

 Diante do exposto, é inevitável constatar: a teoria de Olavo de Carvalho se sustenta na apropriação que faz do paradigma gramsciano da política-hegemonia. Ironicamente, é a noção de hegemonia em Gramsci que torna possível a existência de uma Nova Era enquanto um plano global aos moldes propostos por Olavo. Ao mesmo tempo, é ela quem dá à sua teoria da conspiração um caráter supostamente científico, capaz de retirá-la do nicho religioso-cristão e torná-la palatável a amplos setores da sociedade, ajudando a desvelar as tramas do conluio global por meio de uma lógica aparentemente acadêmica e fazendo com que aqueles que professem sua teoria se sintam mais inteligentes que os demais, ao invés de conspiracionistas, o que de fato são.

* Marcos Sorrilha é professor Assistente Doutor do Departamento de História da Unesp/Franca.

Privacy Preference Center

Conteúdo acessível em Libras usando o VLibras Widget com opções dos Avatares Ícaro, Hosana ou Guga. Conteúdo acessível em Libras usando o VLibras Widget com opções dos Avatares Ícaro, Hosana ou Guga.