Decisão do Supremo Tribunal Federal trouxe consequências danosas ao processo político eleitoral brasileiro, tanto na eleição de 2018 quanto para a de 2022, e à legitimidade do STF, enquanto guardião da Constituição Federal
Duas grandes polêmicas jurídicas tomaram conta dos debates nacionais recentemente. A primeira em torno da declaração de nulidade das ações penais que tramitaram na 13ª Vara Federal de Curitiba em que o ex-presidente Lula era réu. A segunda, em relação à suspeição do ex-juiz Sérgio Moro para julgá-lo.
No mês de março de 2021, o ministro Luiz Edson Fachin, em sede de Embargos de Declaração no Habeas Corpus nº 193.726, por via de decisão monocrática, declarou a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para o processamento e julgamento das ações penais relativas ao tríplex em Guarujá/SP, ao sítio de Atibaia/SP, às doações ao Instituto Lula e à sede do Instituto Lula, determinando a remessa desses processos ao foro do Distrito Federal. Prevaleceu a tese que a 13ª Vara Federal de Curitiba seria competente apenas para o julgamento dos fatos relacionados à Petrobras. Tal entendimento foi confirmado pelo Plenário do STF, por 8 votos a 3.
Nele, chamou a atenção o voto do ministro Alexandre de Moraes, ao reclamar que Curitiba se tornou “o juízo universal de combate à corrupção”, porque o Ministério Público Federal incluía a Petrobras em citações em todas as denúncias para chamar a prevenção do foro.
Entre os votos divergentes destaca-se o do ministro Marco Aurélio. O então decano ressaltou já ter sido, a questão da incompetência territorial, apreciada em diversas instâncias e demonstrou preocupação com o clamor popular em torno da matéria: “Se voltam à estaca zero, a perplexidade da população passa a ser enorme. E isso em ações que não tem o contraditório. O desgaste institucional do Judiciário é enorme, no que se mitiga, esvazia-se totalmente a segurança jurídica.”.
Ao anular as condenações, o ministro Fachin declarou, também, a perda do objeto do HC nº 164493, em que era discutida a suspeição do ex-juiz Moro. A Segunda Turma rejeitou essa tese da perda de objeto e declarou a suspeição do ex-juiz, o que foi confirmado pelo Plenário do STF, também por maioria.
Em voto vencedor, o ministro Gilmar Mendes argumentou que a imparcialidade é um dos pilares fundamentais do Estado de Direito e que, em violação a esse princípio, haveria graves demonstrações de que a atuação do ex-juiz Moro foi parcial, como por exemplo, a divulgação ilegal de áudios que prejudicaram a defesa, as arbitrárias quebras de sigilo telefônico, inclusive dos advogados, e as ações tomadas pelo ex-juiz para impedir a soltura do réu.
As consequências jurídicas da declaração de nulidade e de suspeição são diferentes. No primeiro caso, a nulidade territorial implicaria na anulação dos atos decisórios, mas haveria a preservação de grande parte das provas produzidas, que poderiam ser aproveitadas pela vara competente. Também a nulidade estaria restrita aos casos em que não existisse relação com as investigações envolvendo a Petrobras.
Já na declaração de suspeição, o vício da parcialidade contamina todo o processo, anulando os atos decisórios e viciando as provas produzidas, englobando, inclusive, a fase pré-processual. Ademais, sendo a suspeição relacionada à pessoa do juiz e não à incompetência territorial, a tendência é que haja extensão da suspeição em relação a outros processos em que o ex-presidente é réu.
Em conclusão, é possível afirmar que o Supremo Tribunal Federal acerta quando não relativiza a garantia constitucional do devido processo legal, valor inegociável e ínsito à ideia de Estado de Direito.
No entanto, o desfecho revela falhas graves no sistema de justiça brasileiro em suas diversas instâncias, pois, desde o início, tais questões deveriam estar decididas de acordo com a Constituição Federal. Muito tempo se passou sem que o Poder Judiciário, inclusive o STF, tomasse a decisão correta, o que prejudica severamente a devida apuração das denúncias de corrupção, uma vez que haverá um reinício das investigações e de eventual processo.
Além das sequelas processuais, a insegurança jurídica ocasionada pela oscilação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal trouxe consequências danosas ao processo político eleitoral brasileiro (tanto na eleição de 2018, quanto na de 2022) e à legitimidade do STF, enquanto guardião da Constituição Federal, alimentando uma crise que coloca em risco a democracia constitucional.
Saiba mais sobre o autor
*Marco Marrafon é advogado, professor de Direito e Pensamento Político na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), doutor e mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com estudos doutorais na Università degli Studi Roma Tre (Itália). É membro da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst).
*Alexandre César Lucas é advogado e mestrando em Direito pela UERJ.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de agosto (34ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
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