RPD || Karin Kässmayer: O Brasil na contramão dos compromissos climáticos

Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real
Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real

País precisa vencer desafios como a superação do passivo do desmatamento e a apresentação de uma robusta e crível agenda de ação climática para integrar a nova economia global verde

A Conferência das Partes sobre Mudança do Clima, a COP26, que ocorreria em 2020, foi adiada em função da pandemia da Covid-19, e será sediada, em poucas semanas, na cidade de Glasgow, Escócia. Diante de recentes eventos climáticos extremos com impactos significativos – as chuvas torrenciais em países como Alemanha e China e o calor intenso no Canadá – cresce o interesse e a expectativa sobre a COP26 que deverá definir, de modo urgente, ações e regulamentação voltadas ao objetivo de descarbonizar a economia mundial e alcançar a meta de limitar o aquecimento global a 1,5C. 

Uma nova fase da política climática internacional foi inaugurada com a celebração do Acordo de Paris, em 2015, de cujas negociações o Brasil foi protagonista. Com o comprometimento de um agir cooperativo multilateral, os Países-Parte criaram metas próprias e medidas de adaptação e mitigação de emissões de gases de efeito estufa (GEE). As Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC), peças-chave do acordo, devem ser revistas a cada cinco anos, com metas cada vez mais ambiciosas.  

O Brasil liderou a diplomacia mundial e foi um ator de excelência nessa seara, tendo alcançado, internamente, resultados expressivos que culminaram com a redução do desmatamento em 83%, nos anos de 2004 a 2012, principalmente pela criação do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM). Com a gestão presidencial atual, o desmatamento, que é o nosso Calcanhar de Aquiles das emissões, cresceu exponencialmente, até chegarmos à cifra de 10.851 kmem 2020. O PPCDAM foi extinto, e o país é palco de um cenário de descrença e críticas internacionais, em relação à política ambiental brasileira, com desgastes da sua imagem e um ponto de interrogação sobre seus propósitos quanto ao futuro de sua política climática.  

Espera-se, em Glasgow, que as nações apresentem metas nacionais mais ambiciosas para 2030. Segundo os cientistas, a implementação de medidas de mitigação e adaptação deve ser realizada de modo célere, ainda nesta década. Enquanto o Reino Unido foi o primeiro país a inserir em sua legislação o objetivo de descarbonizar a economia até 2050 (net zero carbon); a União Europeia lançou um pacote legislativo com o objetivo de reduzir as emissões de GEE, no continente, em 55% até 2030, em comparação com as de 1990, e medidas como o fim de veículos movidos a combustíveis fósseis e impostos sobre o querosene de aviação; e os EUA, com a guinada de sua política ambiental no Governo Biden, retomou seu protagonismo e liderança com a realização, em março, da Cúpula dos Líderes sobre o Climao que fez o Brasil?  

Nessa Cúpula, Jair Bolsonaro enviou uma carta a Biden com informações lacunosas, que não identifica quais são os programas e políticas públicas voltadas à proteção ambiental e à segurança climática. Como eliminar o desmatamento ilegal no Brasil até 2030? Qual é o projeto adotado para impulsionar a bioeconomia? Perguntas essas não respondidas pelo Governo. A nova NDC brasileira, apresentada pelo ex-ministro Salles, em vez de aumentar o percentual de redução de emissões, o manteve, baseado em uma atualização do inventário, caracterizando-se mais um retrocesso na desastrosa condução da pasta ministerial. 

A COP26, realizada em um momento em que surgem esperanças de uma retomada econômica com a vacinação, traz para si um feixe de questões decorrentes dos efeitos explícitos da pandemia do Coronavírus: o repensar do modelo de desenvolvimento, com mais inclusão, justiça social e redução de desigualdades e uma nova economia global verde que gere empregos sustentáveis. Os desafios permeiam, sobretudo, o engajamento contínuo do setor privado em reduzir as emissões e a regulamentação de dispositivos do Acordo de Paris, em especial aqueles relacionados ao seu art. 6º, que tratam do financiamento e do mercado de carbono. Vários países já planejam e executam uma retomada econômica verde, com financiamento, tecnologia e inovação para o desenvolvimento sustentável. No Brasil, setor empresarial, sociedade civil e comunidade científica debatem, incessantemente, sobre a necessária integração entre a agenda ambiental e climática e a econômica, em um horizonte com muitas oportunidades. 

Se muitos países apresentam compassos precisos em suas políticas de desenvolvimento rumo à transição energética e à neutralidade carbônica em 2050, no Brasil, os desafios são a superação do passivo do desmatamento e a apresentação de uma robusta e crível agenda de ação climática. O agir presente, que possa nos levar à superação dos riscos climáticos e à retomada da governança ambiental, entretanto, enfrenta crises: democrática, ambiental, econômica, social e de saúde, que só serão superadas com futuras eleições. ​ 


*Karin Kässmayer é Advogada e Consultora Legislativa do Senado Federal, com doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela UFPR e Doutorado Sanduíche na Universidade de Tübingen, Alemanha. É mestre em Direito Econômico e Social pela PUCPR e foi Professora Adjunta de Direito Ambiental da Faculdade de Direito da UFPR, da PUCPR e da UNIFAE.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de agosto (34ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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