RPD || Nazin Hikmet

Hikmet falou por todos os oprimidos de sua terra. Edição de seus livros só foi permitida na Turquia quarenta anos após sua morte
Foto: Reprodução
Foto: Reprodução

Ivan Alves Filho

Ao mesmo tempo em que dizia ser o artista “o engenheiro da alma humana”, o poeta turco Nazin Hikmet considerava a poesia como “a mais sangrenta das artes”. Isso talvez se devesse ao fato de que Nazin Hikmet, mais do que ninguém, conhecesse os perigos que rondavam a liberdade de expressão. Do homem comum àquela do artista. E não era para menos: o poeta passou mais de 15 anos de sua vida encarcerado pelas diferentes ditaduras turcas. Nascido em 1902, em Salônica (hoje pertencente à Grécia), Nazin Hikmet foi condenado diversas vezes por professar ideias marxistas e, também, por pertencer ao Partido Comunista Turco. O mínimo que se pode dizer é que o escritor viveu uma vida de romance.  

Hikmet foi uma das primeiras vozes, em seu país, a se insurgir contra o massacre dos armênios pelos turcos, em 1915. O poeta viajaria depois para Moscou, então capital da recém-formada União Soviética, onde estudaria Sociologia entre 1921 e 1928. Na cidade que definiu um dia como aquela “dos seus sonhos”, Nazin Hikmet tornou-se amigo dos futuristas russos, muito particularmente do poeta e agitador cultural Vladimir Maiacovski. A Rússia revolucionária o fascinava.  

Plenamente integrado ao Partido Comunista, ele retorna ilegalmente a seu país, sendo preso em 1932. Anistiado em 1935, é mais uma vez encarcerado em 1938. Nazin Hikmet só viria a ser libertado em 1950, após uma greve de fome. Pesava contra ele a acusação – totalmente falsa – de ter “incitado a Marinha à insurreição”. O poeta parte para o exílio na Polônia então socialista. Nazin Hikmet faleceria em Moscou, a cidade de seus sonhos de juventude, em 1963. Nunca mais poria os pés na Turquia. Somente em 2009, as autoridades devolveriam, simbolicamente, a nacionalidade turca ao poeta.  

Hikmet: “Viver, que eu esteja na prisão ou em liberdade, é sempre uma felicidade”. Foto: Reprodução

A liberdade por vezes incomoda. Traduzido em quase todos os idiomas cultos do mundo, somente quarenta anos após sua morte é que os livros de Nazin Hikmet obteriam autorização para serem editados na Turquia. 

 “Viver, que eu esteja na prisão ou em liberdade, é sempre uma felicidade”, disse o poeta em uma de suas cartas de cárcere. Poeta de versos livres – em todos os sentidos – Nazin Hikmet soube ser a voz da Turquia moderna. Falou pelos operários e camponeses. Pela rica História da Turquia, terra de Homero, Pitágoras e São Paulo. Falou por todos os oprimidos de sua terra. Pela nacionalidade turca em afirmação. Em vários países, no decorrer do século XX, muitos poetas e escritores comunistas encarnaram esse perfil, aliás. De Louis Aragon na França a Yannis Ritzos na Grécia. De Pablo Neruda no Chile a Ferreira Gullar no Brasil. De Lu Sin na China a Bertold Brecht na Alemanha. De todos, Nazin Hikmet talvez tenha sido aquele de vida mais trágica. E bela. 

Marcadas por intenso lirismo, as poesias de Nazin Hikmet comovem pela candura e inabalável fé no homem. “Eu sou amor dos pés à cabeça”, escreveria ele.  

Um amor que o poeta esparramou generosamente pelo mundo.


Saiba mais sobre o autor
* Ivan Alves Filho
é historiador, licenciado pela Universidade Paris-VIII (Sorbonne) e pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris em História; jornalista e documentarista brasileiro. É autor de mais de uma dezena de livros.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de dezembro/2021 (38ª Edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

Privacy Preference Center