Verdadeiro estelionato eleitoral, com as bandeiras da campanha que o elegeu presidente em 2018 se desfazendo, Bolsonaro mantém-se forte, ocupando o primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto para 2022
Se um leitor atento percorrer os principais jornais do País ao longo de 2020, editoriais, inclusive, e seus articulistas, particularmente, encontrará os mais distintos epítetos atribuídos ao Presidente Bolsonaro. Todos negativos. Colhi alguns como exemplo: irresponsável, incompetente, psicopata, errático, acéfalo, imbecil, negacionista e insano. Para não citar o mais comum: antidemocrata. A conclusão de nosso leitor não poderia ser outra: este é um governo a caminho de um fim precoce. As cláusulas indispensáveis, porém, para se alcançar este desfecho estão longe de serem preenchidas: o presidente não perdeu o apoio da opinião pública, tem a seu favor uma rede de comunicação invejável (redes sociais e veículos tradicionais), goza de prestígio entre o empresariado e caminha para obter, senão a maioria, uma força expressiva no Congresso. E ainda conta, em princípio, com o prestígio das Forças Armadas, amplamente representadas em seu governo.
Desde o início de 2020 os principais analistas políticos deste País dizem que o governo Bolsonaro está no fim. E os motivos parecem consistentes: o governo tem desprezado o enfrentamento da pandemia; tem-se omitido nos cuidados com o meio ambiente, e particularmente a Amazônia, recebendo críticas de grandes empresários nacionais e governos estrangeiros; tem uma politica externa desastrosa, sendo objeto de “gozação”, desprezo e escárnio de governos e mídia internacional; tem filhos acusados de prevaricação e o próprio presidente é objeto de investigação por tentativa de uso de entidades públicas em favor de interesses pessoais e familiares; tem estimulado ações contra as instituições democráticas; e detém a capacidade de ter os piores ministros da educação da história deste País.
Um verdadeiro estelionato eleitoral, um dos motivos pelo qual a presidente Dilma sofreu o impeachment, está em curso. As quatro grandes bandeiras de sua campanha eleitoral estão-se desfazendo: o combate à corrupção foi interrompido, com seu ícone despedido e a Operação Lava Jato sendo desfeita; a defesa da nova politica está-se desmanchado a olhos vistos na aliança com o Centrão; a pandemia mandou para o espaço a política econômica liberal, e a batalha pela recuperação dos velhos costumes e valores não avança. Mas Bolsonaro mantém-se forte. Em todas as pesquisas de intenção de voto para eleições presidenciais, ele ocupa o primeiro lugar. Seu governo tem, somados as avaliações de ótimo/bom e regular, 59% de aceitação.
O enigma é ainda mais evidente quando se examinam as recentes eleições municipais. Bolsonaro foi fragorosamente derrotado, inclusive nas últimas eleições realizadas em Macapá, quando seu candidato, contando com o apoio do prefeito e governador locais, sendo irmão do presidente do Senado, perdeu. Venceu apenas nos confrontos diretos com o PT, principalmente no embate mais relevante, em Vitória do Espirito Santo.
Todas as análises sobre esse fenômeno politico pecam pela excessiva simplificação: base ideológica forte, carisma (sic), sentimento antipetista, vocaliza uma opinião majoritária no País (conservadorismo), navega na onda mundial da ascensão da extrema direita.
Para vencer, no entanto, o candidato preferido nas intenções de voto de todos os institutos de pesquisa, será necessário desvendar este enigma: por que, com tantos desmantelos, o Presidente goza de tamanho prestígio? Sobretudo, que a recente tradição brasileira é a de que todos os presidentes são reeleitos. Para vencê-lo, é preciso mais do que um bom candidato, é indispensável desfazer sua imagem junto a opinião pública. Por enquanto, todas as tentativas da oposição e seus críticos foram infrutíferas. Inversamente, parece alimentá-la.
Esse é o maior desafio em 2021 para as forças democráticas: desvendar o enigma do “mito”.
*Sociólogo político e socioambiental. Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília e do Programa de Pós-Graduação Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia da Universidade Federal do Amazonas.