Bolsonaro promoveu retrocesso recorde na área ambiental desde o início de seu governo. Desastre da gestão governamental impactou diretamente na imagem do Brasil no exterior
O mundo caminha celeremente para uma economia de baixo carbono. No final do ano passado, o Conselho Europeu comprometeu-se com o objetivo de neutralizar as emissões de carbono até 2050. A agenda de implementação dessa decisão tem sido intensa, com a definição de estratégias setoriais e instituição do Fundo de Transição Justa, de 100 milhões de Euros, para apoiar a substituição de indústrias intensivas em carbono.
A mesma meta vem sendo estabelecida por vários países, como a Coreia do Sul, o Japão e a Inglaterra. A eleição de Joe Biden reforça essa tendência, afastando da Casa Branca o negacionismo climático. Isso irá provocar impactos profundos no mundo todo.
Setores intensivos em carbono, como energia e transportes, estão passando por uma revolução tecnológica de amplo alcance. A energia solar é a fonte que mais cresce no mundo e as projeções indicam que, até 2050, será a maior fonte mundial de eletricidade. As principais montadoras de veículos já estabeleceram prazos (que não ultrapassam 2030) para tirar os motores a combustão de suas linhas de montagem.
A Europa discute a precificação do carbono no mercado internacional, com a instituição de um mecanismo para que produtos manufaturados paguem uma “taxa de carbono” ao ingressarem no Mercado Europeu, previsto para entrar em vigor em 2023. Ou seja, “amanhã”.
Enquanto isso, agravamos nosso isolamento político e econômico com uma política ambiental irresponsável. Os reflexos já são sentidos. Em junho passado, um grupo de 30 empresas globais de investimento, que administram US$ 3,7 trilhões, enviou cartas a embaixadas brasileiras em 9 países alertando o governo brasileiro sobre o avanço do desmatamento na Amazônia, o que pode interferir nas decisões de investimento.
A política ambiental também está colocando em risco a implementação do Acordo EU-MERCOSUL. Assinado após anos de duras negociações, dificilmente será ratificado pelo parlamento dos países envolvidos por não cumprirmos a cláusula ambiental.
O agronegócio, nossa “galinha de ovos de ouro”, não passará ileso por essas transformações. A Estratégia da Fazenda ao Prato, uma das medidas em curso na Comissão Europeia, prevê um sistema de certificação de origem dos produtos agropecuários e florestais, o que pode facilitar o embargo daqueles provenientes de áreas de desmatamento.
Não se trata apenas de desconsiderar as mudanças de longo prazo nas estratégias mundiais de desenvolvimento. A política ambiental do governo Bolsonaro está destruindo as bases institucionais que podem construir pontes de diálogo para a inserção do Brasil nesse cenário.
A Secretaria de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente e a Subsecretaria Geral de Meio Ambiente, Energia e Ciência e Tecnologia do Ministério das Relações Exteriores foram extintas logo de início. Após muita pressão da sociedade, o governo anunciou a meta de zerar as emissões até 2060. Além de ser insuficiente, tem pouco crédito pois não está suportada em ações efetivas, principalmente em relação à nossa maior fonte de emissão – desmatamento.
O Ibama está sucateado e não consegue executar nem o que restou de seu exíguo orçamento. O exemplo mais emblemático é a contratação de brigadistas, que só ocorreu quando o fogo se alastrava sem controle. Para agravar, o governo paralisou o Fundo Amazônia, que tem cerca de R$ 2,9 bilhões em doações, sendo que 60% seriam destinados ao próprio Ibama ou a órgãos ambientais estaduais.
Quem tenta trabalhar é punido. O ex-diretor e dois chefes de fiscalização foram degolados logo após uma série de operações contra garimpeiros que atuam em terras indígenas. O fiscal que multou o presidente por pesca ilegal em 2012 foi afastado da chefia do Centro de Operações Aéreas e a multa foi anulada.
Por outro lado, os nomeados deixam a boiada passar, eliminando a autorização ambiental para a exportação de madeira retirada das florestas do país, fato comemorado pelas madeireiras que atuam ilegalmente, e cancelando multas aplicadas pela equipe técnica, como no caso de um prédio de luxo em área de preservação, numa das regiões mais caras de Salvador, por exemplo.
O Ministério do Meio Ambiente age como se não tivesse responsabilidade na fiscalização de crimes ambientais. O resultado todos sabem: a área desmatada na Amazônia, que já havia saltado 34,41% em 2019, prossegue em alta e cresceu mais 9,5% em 2020, batendo o recorde de desmatamento da década com mais de 11 mil Km².
O INPE também sofre o mesmo processo de desconstrução. Após a difamação de seu presidente (Ricardo Galvão, a quem Bolsonaro acusou de estar a serviço de ONGs) e sua demissão, vieram o estrangulamento orçamentário, a redução da estrutura de comando e, por fim, a usurpação das suas funções, com o anúncio da compra de um satélite pelas Forças Armadas, por R$ 145 milhões, para fazer o mesmo que os satélites do INPE fazem.
O Brasil deveria buscar inserção positiva na economia mundial através da diversificação e agregação de valor à sua pauta de exportações e do investimento em inovação e tecnologia e nas novas oportunidades que estão surgindo na transição para uma economia de baixo carbono.
Há um cardápio extenso de atividades econômicas que deveriam ser incentivadas para a recuperação da economia pós-COVID. O Brasil tem grande potencial de desenvolvimento da bioeconomia, das fontes distribuídas de energia renovável e limpa, da agricultura de baixo carbono, da exploração sustentável de florestas nacionais, da universalização do saneamento ambiental, entre outras.
Esses investimentos têm capacidade para gerar milhões de empregos verdes e atrair capital externo ávido por um portfólio de atividades sustentáveis para satisfazer as exigências de um novo consumidor mais consciente dos limites das bases naturais que dão sustentação ao desenvolvimento.
Insistir na ocupação da Amazônia pela grilagem de terra, por pastos para criação extensiva de gado e pela mineração ilegal só vai nos levar ao atraso e ao isolamento político e econômico.