RPD || Arlindo Fernandes de Oliveira: Contrarreforma da administração – Para enganar quem quer ser enganado

Na visão de Arlindo Oliveira, proposta apresentada pelo governo Bolsonaro não traz melhorias para o serviço público de educação, saúde seguirá cativa dos grupos financeiros, com o Executivo tentando minar a independência do Poder Judiciário e as competências e prerrogativas do Poder Legislativo.
Foto: Marcos Corrêa/PR
Foto: Marcos Corrêa/PR

Na visão de Arlindo Oliveira, proposta apresentada pelo governo Bolsonaro não traz melhorias para o serviço público de educação, saúde seguirá cativa dos grupos financeiros, com o Executivo tentando minar a independência do Poder Judiciário e as competências e prerrogativas do Poder Legislativo  

A proposta de emenda à Constituição que, supostamente, deveria cuidar da chamada reforma administrativa, na verdade faz o exato oposto. Beneficia-se, é verdade, do interesse de um mal assessorado “mercado” pela reforma e da receptividade circunstancial pelo dito Centrão.

Ninguém desconhece que a administração pública e o regime jurídico de servidores e de empregados públicos carecem de reforma, para que o Estado possa prover, com o máximo de eficiência e o mínimo de custos, os serviços públicos essenciais – educação, saúde e segurança pública –, bem como realizar suas atividades-fim: recolher impostos e fazer os gastos pertinentes, administrar a justiça, fazer leis e assegurar as liberdades individuais e públicas.

Mas nada disso comparece à Proposta de Emenda à Constituição sobre reforma do Estado alegadamente elaborada pelo Sr. Paulo Guedes: não se cogita melhorar o serviço publico de educação, seja prestado pelos governos, seja pelas empresas do setor; a saúde seguirá cativa dos interesses de grandes grupos financeiros, contando com o SUS como boia salva-vidas; e o Executivo seguirá tentando obstar a independência do Poder Judiciário, e as competências e prerrogativas do Poder Legislativo. Reforma alguma aqui é promovida. Para que, então, é encaminhada a proposta?

O regime jurídico do servidor contemplará algumas mudanças, dizem. Seriam aquelas feitas a partir do errado diagnóstico de que os servidores públicos atuais são indemissíveis. Não são. Passarão a ser, uma parte deles, e a outra parte ficará como são os atuais servidores. Fingem desconhecer que há projeto de lei que disciplina avaliação de desempenho e possibilita demitir por ineficiência e incúria. O que importa é mandar a mensagem da sucumbência do Governo Federal aos interesses pontuais do que imagina ser o mercado.

Sabe-se muito bem que o mercado, a economia, o desenvolvimento, os interesses nacionais e os da sociedade brasileira ganhariam com uma administração pública eficiente e viável, especialmente se pensada com visão estratégica, isto é, no médio e longo prazos. Mas não se pensa nisso, apenas em negócios de circunstância.

Há, supostamente, novas regras, mais restritivas, mas que somente se aplicariam aos futuros servidores, aqueles que ingressarão no serviço público após a promulgação da Emenda Constitucional. Ora, uma norma dessa natureza, além de flagrantemente inconstitucional, por afrontar os direitos dos futuros servidores, violando o princípio da isonomia, terá o efeito perverso de instituir duas categorias de servidores: uns dotados de plenos direitos e garantias, e os subsequentes, pressionados a se submeter aos interesses políticos e pessoais da malta que venceu a eleição. Não é só inconstitucionalidade: tampouco há hipótese de que possa funcionar um ente ou qualquer órgão público dividido em servidores com distintas categorias de direitos. É um absurdo jurídico-constitucional que destrói a eficiência da administração.

Um dos objetivos anunciados da reforma seria a redução de gastos públicos: nesse plano, nada é feito, nem em curto nem em médio prazo. A redução dos gastos fica para as calendas gregas. Agora e amanhã, é zero, nada.

Agentes públicos são todos os que ocupam cargo ou função no aparato do Estado, sejam servidores, empregados ou os agentes políticos. A proposta, entretanto, de modo inconstitucional – e incompetente – exclui os agentes políticos e os membros do Judiciário e do Ministério Público, além dos militares. Aqui, de novo, a injuridicidade soma-se à má qualidade técnica da proposta.

A proposta, louve-se, não legaliza as rachadinhas. Mas nada faz para combatê-las. Como evitar o desvio de recursos públicos destinados a remunerar os trabalhadores para os bolsos dos patrões picaretas e vigaristas? Nada é encaminhado a esse respeito, que bem merece uma emenda.

O mesmo quanto à famigerada porta giratória, mecanismo de que se vale o sistema financeiro para, de quando em quando, situar seus futuros empregados e dirigentes na Administração Pública, especialmente na equipe econômica e no Banco Central, apenas para ali recolher, da forma mais promíscua, as informações que amanhã servirão aos bancos, contra o Estado e a sociedade. Aqui, também, como se esperava, nem uma palavra.

*Arlindo Fernandes de Oliveira é consultor do Senado, advogado e especialista em Direito Constitucional pelo Instituto de Direito Público

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