Governo Bolsonaro tem de romper paralisia em relação às reformas inadiáveis, antes que a economia brasileira “derreta”. Desde 2014 que o país vive situação permanente de déficit primários e taxa de crescimento medíocre
A questão fiscal sempre foi um dos problemas fundamentais da economia brasileira. Uma análise histórica desde o início da República revela constante desequilíbrio entre as receitas e as despesas nas contas públicas. Na pandemia, causada pelo novo coronavírus, registrou-se uma explosão dos gastos públicos, que ameaça gerar aumento dos déficits primários e da relação dívida/PIB, aproximando-se perigosamente dos 100%. De acordo com o Ministério da Economia, a previsão mais recente (novembro) de déficit primário para este ano é de R$ 844,6 bilhões, vale dizer, a assombrosa cifra de quase 10% do Produto Interno Bruto!
É ilusão supor que essa situação seja somente reflexo da pandemia. Como dito acima, a questão do déficit público é estrutural. A última vez em que se registrou superávit primário (sem considerar as despesas com juros) foi em 2013, com 1,9% do PIB da época. Desde 2014, o Brasil vive situação de permanentes déficit primários, ao mesmo tempo em que exibe taxa de crescimento medíocre. Em 2019, os primeiros dados do PIB já não foram animadores. O cenário, projetado pelos agentes do mercado, considerando os mais otimistas, chegava a apontar para cerca de 2% de crescimento do PIB. Divulgados, no entanto, os indicadores econômicos de 2018, frustraram-se as expectativas em relação ao PIB, e o mercado chegou a reduzir a previsão de crescimento para entre 1,5% e 2%, isso antes mesmo da chegada dessa pandemia ao Brasil.
Urge, portanto, acelerar a discussão sobre reformas estruturais do Estado brasileiro. Isso é apenas emergencial. Não se pode enfrentar a questão somente depois de a pandemia passar. É preciso enfatizar e ter claro que a arrecadação não é suficiente para bancar as despesas obrigatórias do governo, levando ao financiamento por meio de títulos de dívida, com prazos cada vez menores de colocação e riscos de prêmio crescentes. Sem contar que mais de 90% do orçamento brasileiro é destinado a gastos obrigatórios dos mais variados tipos! Esta obrigatoriedade torna a dinâmica da dívida particularmente explosiva em uma situação de queda brusca de arrecadação como a imposta pela pandemia. Isto é insustentável!
O que até o momento impediu o desastre foi a imposição de uma âncora fiscal, o teto de gastos, objeto, porém, do mais virulento ataque de parte das forças populistas. O teto de gastos é o que ainda dá certa credibilidade quanto à solvência do governo federal. Mas não se pode esquecer que um dos pilares da teoria econômica é que não existe almoço de graça. Vale dizer, impõem-se escolhas e sacrifícios para assegurar, a partir de análises objetivas, amparadas por conceitos técnico-científicos, livres, portanto, de narrativas populistas, as prioridades dos investimentos públicos, se se pretende evitar a degeneração dos indicadores macroeconômicos.
O que tem de ser revisto – privilégios do funcionalismo público e subsídios à zona franca de Manaus, por exemplo? Ou os recursos destinados a merendas escolares ou leitos hospitalares? Qual a escala relativa de importância dos gastos estatais no universo do orçamento? Há consciência nos corredores do poder de que a fragilidade da infraestrutura desestimula o investimento produtivo? Que o elevado custo de aquisição de capital compromete a produtividade do trabalho? Que a produtividade, estagnada desde a década de 1980, se reflete na baixíssima taxa de crescimento dos salários?
Em uma palavra, onde investir para assegurar acréscimo de bem-estar para a população brasileira, tanto agora como no futuro?
Crises são oportunidades, desde que se consiga romper a paralisia do atual governo em relação às reformas inadiáveis, antes que a economia brasileira “derreta”. Reformas nas escolhas feitas no orçamento, reformas no sistema tributário, reformas na administração pública, ou seja, o que não faltam são reformas extremamente necessárias que precisam ser feitas com urgência para que a situação fiscal não leve o país à insolvência a uma outra década perdida ou pior.