Recentemente, o Ministro Paulo Guedes afirmou que “O país tem vocação para o agronegócio, e esse governo enxerga isso de forma muito clara, objetiva e efetiva”. Não é a primeira vez que ouvimos isso da boca de um economista liberal autodeclarado. Entre 1944 e 1945, Eugenio Gudin defendeu, em debate com Roberto Simonsen, que o Brasil possuía uma “vocação agrícola” e que o Estado deveria se abster de intervir na economia para liderar o processo de industrialização. Naquele momento, contudo, a posição liberal foi derrotada. A realidade da escassez de dólares pós-Segunda-Guerra Mundial obrigou o governo Dutra a voltar atrás no processo de liberalização cambial e comercial posto em prática em 1946. Entre meados de 1947 e o início de 1948, o governo se viu forçado a mudar a política de comércio exterior, extinguindo o mercado livre de câmbio e adotando um sistema de contingenciamento de importações, o qual deu grande impulso à substituição da importação de produtos manufaturados pela produção doméstica.
Em 1949, durante a primeira conferência da CEPAL, o economista argentino Raul Prebisch apresenta o famoso “Manifesto Latino-Americano”. Nesse documento, Prebisch explica que a industrialização era a única forma de os países da América Latina superarem o problema do “desenvolvimento desigual” com relação aos países industrializados. Isso, porque a inserção dos países latino-americanos na divisão internacional do trabalho, como exportadores de produtos primários, fazia com que parte dos ganhos de produtividade gerados pela incorporação do progresso técnico nesses países fosse apropriada pelos países industrializados, por intermédio da tendência secular à deterioração dos termos de troca. Essa tendência resultava do fato de que, enquanto na América Latina a incorporação do progresso técnico no setor exportador levava a uma queda dos preços dos produtos exportados, nos países industriais os avanços nas técnicas de produção eram incorporados na forma de salários mais elevados, mantendo-se constantes os preços desses produtos.
Além dessa questão, Prebisch argumentou que, enquanto a elasticidade-renda da demanda por produtos primários era menor do que um, a da demanda por produtos manufaturados era superior a um. Sendo assim, seria impossível aos países latino-americanos crescer de forma sustentável a um ritmo maior do que o dos países industrializados. Isso porque, nesse caso, as importações dos países latino-americanos cresceriam mais rapidamente do que suas exportações, levando a uma progressiva redução das reservas internacionais e, em algum momento, a uma crise de balanço de pagamentos.
Essa particularidade da “condição periférica” (para usar o termo criado por Prebisch) acabou fazendo com que os sucessivos governos brasileiros entre 1947 e 1980 se preocupassem em estimular a industrialização do país, processo esse que foi extremamente bem-sucedido; e permitiu que o Brasil apresentasse a segunda maior taxa de crescimento do PIB per capita no mundo, durante o período em consideração, ficando atrás apenas do Japão.
A crise da dívida externa marcou ponto de inflexão no processo de desenvolvimento econômico do Brasil, levando à “década perdida” e à “alta inflação” dos anos 1980. Com o governo Collor, inicia-se no Brasil o processo de abertura da conta de capitais do balanço de pagamentos, o que permitiria o financiamento externo por intermédio do capital especulativo, atraído pelas altas taxas de juros pagas no Brasil. O modelo de industrialização por substituição de importações dá lugar ao modelo de crescimento com poupança externa que gera uma forte apreciação da taxa de câmbio, levando o país a uma nova crise de balanço de pagamentos, em 1998, e a um processo de crescente desindustrialização. Com o forte crescimento da economia da China nos anos 2000, a exportação de produtos primários disparou, e a participação dos produtos primários na pauta de exportações volta a superar a participação dos produtos manufaturados. O boom das commodities nos anos 2000 eliminou (ao menos temporariamente) a restrição externa da economia brasileira, permitindo uma hiper valorização da taxa de câmbio e a destruição de parte significativa do parque industrial brasileiro. Desde então, a economia brasileira tem permanecido semiestagnada, apresentando crescimento da renda per capita inferior a 1% a.a.
O sucesso do agronegócio não se traduziu em aumento do padrão de vida da imensa maioria da população brasileira. Se for verdade que o Brasil está condenado a ser um “fazendão”, então, a conclusão inescapável é que nosso país está condenado ao subdesenvolvimento.
José Luiz Oreiro possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1992), mestrado em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1996) e doutorado em Economia da Industria e da Tecnologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2000). É editor do site que leva seu nome (www.joseluisoreiro.com.br)