O público brasileiro teve sua atenção voltada para a pasta do Meio Ambiente do governo Bolsonaro, no início da gestão em 2019, por uma decisão impensável até então: o cancelamento da decisão de sediar a Convenção do Clima da ONU no país, a COP 25. Era perfeitamente adequado que o Brasil, no topo do ranking mundial em biodiversidade, sediasse a Convenção, no momento em que a crise climática avançava e nossas florestas tinham tanto a contribuir. Mas a nova gestão deu ao país e ao mundo a sinalização de que trafegaria na contramão do planeta e de suas necessidades, dispensando-se do papel de anfitrião do evento, acertado pela diplomacia do governo Temer. A partir daí, foi ladeira abaixo, e um susto atrás do outro.
O presidente Bolsonaro queria tornar a pasta ambiental uma Secretaria do Ministério da Agricultura. Alguns membros de sua equipe, que tinham noção da importância do tema ambiental nas questões globais, mostraram a ele que seria muito pouco produtivo para o Brasil submergir o tema no segundo escalão do governo. Ele assentiu com o organograma, mas não com a existência de uma política de meio ambiente e resolveu exterminar a área por dentro, nomeando um ministro com o perfil adequado para a missão.
Primeiro, Ricardo Salles retirou toda a possibilidade de participação da sociedade nos espaços institucionais do ministério e difundiu a mensagem de que se tratava de ONGs que “mamavam” verbas públicas e demonizou ambientalistas. Alterou normas administrativas, retirou financiamento das ações socioambientais quando avançou sobre o Fundo Amazônia e tentou usar seus recursos para indenização de fazendeiros que tivessem algum tipo de produção em áreas protegidas. Desidratou os setores de fiscalização reduzindo tanto orçamento quanto equipes. E, para impedir qualquer ação de rebeldia, colocou em cargos estratégicos policiais oriundos da PM paulista, sem considerar sua falta de capacitação para atuar na área ambiental. Em relação aos territórios sob responsabilidade do ministério, as 326 Unidades de Conservação, somando algo em torno de 78 milhões de hectares, cerca de 8% de todo o território nacional, Ricardo Salles demandou estudos à equipe para repassá-las à iniciativa privada sob o pretexto de melhorar a eficiência das ações de conservação em modelos jurídicos questionáveis.
O Brasil perdeu mais de 21 mil km² de floresta na gestão Salles. Em 2020, praticamente 26,5% do Pantanal foram perdidos também. O que deu a Salles a ocasião de publicizar sua tese do boi bombeiro. A biomassa consumida pelos bovinos reduziria material inflamável. Uma tese desmontada por qualquer vaqueiro do Pantanal que tivesse testemunhado a evolução do rebanho no bioma e total ausência de relação de causa e efeito entre as duas coisas.
Além de um histórico patrimonial entrelaçado com explicações que o mercado imobiliário de São Paulo não referenda para explicar seu enriquecimento, Salles teve dois momentos de alta na mídia: o 22 de abril, em que a reunião ministerial divulgada no contexto de um processo judicial no STF o exibe ponderando que um bom uso para a tragédia da pandemia seria aproveitar o foco da mídia na Covid-19 e fazer um desmonte das normas de proteção ambiental que ele denominou de “passar a boiada”; e seu segundo momento de visibilidade, à frente de um paredão de toras de madeiras sem origem explicada, no papel de defensor de madeireiros que faziam não só a retirada ilegal da madeira, mas também a exportação dela para mercados europeus e americanos, por brechas abertas nas normas do IBAMA por ordem de Salles.
A história da gestão do ministro termina nas barras dos tribunais, no caso o STF, perdendo uma queda de braço com a PF, que havia feito a apreensão da tal madeira, cujo valor pode chegar a R$ 200 milhões. Teve que entregar celular e passaporte e, diante da eminente possibilidade de encarar um mandado de prisão, foi exonerado. Não antes de garantir Joaquim Pereira Leite, de sua estreita confiança e identidade de visão de gestão, para sucedê-lo e continuar o processo de inanição de uma pasta que sequer conseguiu formular uma política, legou ao Brasil uma imagem internacional retrógrada e ofereceu à comunidade internacional a oportunidade de começar a elaborar as bases jurídicas para que o Tribunal Penal Internacional tenha nova área de jurisdição: o ecocídio.
A saída de Ricardo Salles do Ministério do Meio Ambiente pode, corretamente, ser percebida como a troca de operador de uma gestão que tem suas diretrizes ditadas diretamente pelo Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro.
Jane Maria Vilas Bôas é antropóloga, ex-presidente do IBRAM – DF e membro dos Diretórios Nacional e Distrital da Rede Sustentabilidade.