Pelo menos, desde a década de 50, reconhece-se a importância da industrialização das economias periféricas, como a brasileira, para seu desenvolvimento econômico. Entendendo isso, diversas nações adotaram políticas industriais ativas, com variados graus de sucesso.
Alguns países, em especial na Ásia (Coréia do Sul, Taiwan) foram extraordinariamente bem-sucedidos. Em poucas décadas, passaram de economias agrárias e muito pobres para potências industriais.
O Brasil não fez feio. Foi capaz de criar uma economia relativamente sofisticada, com um setor industrial razoavelmente avançado e diverso. Tem indústria automobilística (embora composto apenas por filiais de multinacionais) e até aeronáutica, como o milagre que é a Embraer. Inventou a celulose de fibra curta (de eucalipto, enquanto, até então, o mercado era só de fibra longa/pinus) e se tornou um dos maiores exportadores do produto – ainda é o 4º maior.
Mas esse processo perdeu fôlego. A participação da indústria no PIB despencou de 48%, em 1985, para 20,4%, em 2020. Grupos nacionais da indústria desapareceram ou perderam relevância.
A desindustrialização ocorrida é uma das faces de um fenômeno mais profundo: a progressiva erosão da complexidade da estrutura produtiva brasileira. Uma economia mais complexa é aquela em que há maior densidade de produtos com efeitos de encadeamento e transbordamento. Ou seja, que geram maiores e mais abrangentes externalidades, potencializando o dinamismo da economia.
O estado da arte na medição da complexidade das economias nacionais é o Atlas da Complexidade Econômica, ferramenta desenvolvida e gerenciada pelo Harvard Growth Lab, visando ”entender a dinâmica econômica e novas oportunidades de crescimento para todos os países do mundo”. Uma de suas funcionalidades é um ranking mundial de Complexidade Econômica. Nele, o Brasil, depois de ocupar a 27ª posição em 2000, recuou para a 49º em 2018. O México estava na 19ª colocação, em 2018, a Tailândia na 22ª.
Outro ranking internacional que aponta para o progressivo atraso da economia brasileira é o Índice de Competitividade Global, do Banco Mundial. Segundo ele, o Brasil ocupava a 80ª posição (dentre 137 países), enquanto estava em 72º, em 2007.
O que aconteceu? Por que paramos de avançar e estamos andando para trás? A resposta, claro, é complexa e passível de inúmeras versões. Arrisco tentar simplificar: porque perdemos qualquer tentativa de projeto nacional.
Mesmo os governos do PT não tinham um projeto claro. Ainda que várias iniciativas louváveis tenham sido encaminhadas, a descoordenação e a execução precária não permitiram que se avançasse. O projeto mais importante de política industrial foi a criação da maior empresa de carne bovina do mundo! Isso já em plena crise climática, mesmo sendo fartamente conhecida a contribuição da pecuária para esse desastre. Sem falar em mais um passo para a redução da complexidade da economia brasileira.
O atual governo é, também nisso, um completo descalabro. Não tem nenhuma ideia do que pretende para o país. Brada contra uma inexistente ameaça comunista e pouco mais. Há um arremedo de projeto econômico, um liberalismo de botequim (com o perdão dos botequins) que se resume a destruir tudo que funciona no Estado brasileiro. Em particular, do que mais precisamos para avançar: pesquisa, tecnologia e educação. Não há nenhuma esperança de o país se modernizar em nenhum aspecto nesse governo, muito menos numa questão profunda como o retrocesso na complexidade da economia.
Mas, com a união dos setores democráticos da sociedade, é possível que, em 2022, seja, de novo, possível pensar num projeto de país.
Aí o Brasil terá de voltar a investir no que todos os países dinâmicos estão investindo. Em tecnologia, muito especialmente naquelas voltadas à descarbonização da atmosfera. No aproveitamento racional do imenso patrimônio que é a diversidade natural brasileira, inclusive desse tesouro que estamos jogando fora, a Floresta Amazônica. Terá também de fazer o que todas as economias avançadas já fizeram há muito tempo, oferecer uma educação em todos os níveis com qualidade e universalidade. A existência do SUS também abre a possibilidade de investimentos produtivos, com alto grau de complexidade, nos setores industriais do chamado Complexo Industrial da Saúde, como já advertem alguns dos melhores economistas brasileiros.
Há tempo de reverter essa marcha para o atraso e a mediocridade. Mas o Brasil precisa de um olhar para o futuro.
Guilherme Accioly é economista