Em que resultarão os trabalhos da CPI da Covid-19, ainda em funcionamento no Senado Federal?
Essa é a pergunta que políticos, jornalistas, empresários, milhões de brasileiros estão fazendo neste momento, tendo como pano de fundo o governo de Jair Bolsonaro e as eleições de 2022.
Bola de cristal ninguém possui, e política, para usar uma expressão já consagrada, não é mãe Dinah.
CPI, assim como greves e outros movimentos bruscos e complexos, sabe-se como começa, desconhece-se seu desfecho.
Já tivemos CPIs de todos os tipos e com evoluções impensáveis. Algumas nem conseguiram se reunir, em virtude do jogo de maiorias no Congresso; outras fizeram um carnaval danado e tiveram um fim melancólico; várias resultaram em propostas legislativas e leis; duas levaram à renúncia um presidente da República e ao impeachment de outro.
É ainda cedo para se prever o final da CPI em marcha, tudo está a depender do calibre dos achados de corrupção e das políticas de alianças partidárias e da formação de maiorias para empurrar à frente desígnios mais incisivos, ou não.
Importante registrar, diferentemente de países como os Estados Unidos, de matriz bipartidária em sua representação congressual, no Brasil temos 23 partidos com parlamentares na Câmara e no Senado. Nenhum com mais de 15% das bancadas, a pulverização é total. Nesse cenário, valem mais os interesses de cada mandato do que posicionamentos políticos e ideológicos coerentes, doutrinários e históricos.
Talvez já seja possível afirmar que a CPI alcançou uma grande vitória, a de afirmar o princípio da ciência diante de uma vaga negacionista que devastou políticas públicas e corrompeu o pensamento mais racional brasileiro, ensejando milagres de perna curta, crendices, misticismos, loucuras coletivas. Negacionismo que, além desses aspectos, foi responsável pela corrosão ainda maior das finanças das famílias pobres sem acesso a recursos da saúde, levando-as a gastarem o que não tinham na compra de medicamentos como cloroquina, ivermectina e antibióticos, ao arrepio da medicina.
Uma CPI, que nasceu para contestar o negacionismo e forçar o governo federal a encarar a Covid-19 com mais responsabilidade, acabou catapultada a um piso superior com as denúncias e os fortes indícios de corrupção no Ministério da Saúde, sobretudo na área de compra de vacinas e de outros insumos para combater a pandemia. E, quando emergem denúncias nessa proporção, tudo fica volumoso – a tensão política e as crises geradas por ela.
No meio de todo o burburinho, hipóteses se desenvolvem, umas podendo ser confirmadas, outras não. Uma delas é de que a não compra de vacinas no tempo certo de laboratórios com nomes firmados nas bolsas de valores do mundo ocorreu menos pelo negacionismo e mais pela influência do jogo escuro do mercado. O “mecanismo”, termo frequente entre bolsonaristas, assim, teria aberto espaços à intermediação, nos quais o ilícito se sentiria mais em casa.
O negacionismo ideológico do governo, por tal raciocínio, acabou sendo uma muleta em outras mãos para esconder a ação corruptora. Veremos onde isso vai dar.
As denúncias envolvendo o Ministério da Saúde, levantadas e orbitando a CPI, arrastam, ainda mais, também os militares para terrenos pantanosos. Encher a repartição de militares – houve até um ministro general – não estaria impedindo as supostas falcatruas. Ora, militares sem inteligência é algo impensável se se acredita nas Forças Armadas como guardiãs da democracia, como define a Constituição Federal.
Para quem logo tira do bolso o impeachment como solução final a ser ensejada pela CPI, é bom ressaltar que esse instituto tem mais a ver com maioria política congressual e menos com fatos, por mais verdadeiros que sejam. O impeachment só se materializa, ao final, com a pressão das ruas, da sociedade e de expectativas eleitorais futuras de quem detém o mandato.
Independentemente de um desfecho retumbante que não depende da CPI, há outros cenários positivos que os senadores podem também trabalhar – e com possibilidades boas de sucesso.
Uma delas é sugerir políticas públicas que possam afirmar a ciência no país, com investimentos em universidades, centros de pesquisa, novas parcerias inovadoras com o segmento privado. Aqui, um olhar atencioso para os nossos laboratórios (Fiocruz e Butantan, entre outros), até para fazer frente a outras epidemias que virão.
Outra fronteira: as compras que envolvem a saúde, em nível federal, nos estados e municípios, precisam ter um marco legal diferenciado e não podem estar contaminadas por injunções políticas. Corrupção com dinheiro público enoja qualquer cidadão de bem. Agora, corrupção que leva brasileiros à morte, agride, é desumana, é monstruosa.
Davi Emrich é jornalista. Foi Secretário de Comunicação do Senado Federal e integra o Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional, um órgão consultivo composto por representantes da sociedade civil.