Chamadas de intermediárias, as eleições municipais sinalizam o futuro
Este é o ano da graça das eleições municipais, quando o humor dos eleitores será testado numa espécie de ensaio geral para a próxima disputa nacional. No momento, não se identificam fenômenos, nem naturais, nem construídos.
Uma volta ao passado não seria surpreendente, menos ainda uma demonstração, contra a corrente, de sentimento antibolsonarista. Bem como a presença do presidente, com vitórias importantes em capitais, reunindo vantagens a serem levadas à próxima campanha. Tudo ainda é possível.
As roletas estão começando a rodar, ainda tímidas, e ninguém fez apostas relevantes, por enquanto. A desconfiança é ampla, geral e irrestrita.
É que, se prefeitos e vereadores constroem o poder nacional, a recíproca não é necessariamente verdadeira. Por isso a cautela nas previsões.
A polarização vai se manter? Lula estará solto? O presidente Jair Bolsonaro conseguirá criar seu partido a tempo de seus candidatos disputarem pela nova sigla? Os temas em discussão serão de interesse apenas local? A ideologia vai prevalecer, como agora, ou a vida real irá predominar? Só vendo. O que é certo, em qualquer tempo e país, é que, chamadas de intermediárias, as eleições locais sinalizam o futuro.
Aqui também. Em 2016, o PT perdeu substância nas eleições municipais deixando aos adversários 60% das prefeituras que administrava. Houve influência negativa do fato na eleição seguinte de deputados e senadores, que definiram o financiamento do partido. Em 2018, destroçado pelas denúncias de corrupção, o PT chegou à campanha presidencial se arrastando em visita ao líder preso e ainda por cima sem um candidato de consenso.
Retornando a 2016: naquela eleição não havia sinal de um Jair Bolsonaro ou de um partido chamado PSL que viriam, em 2018, vencer a disputa presidencial. Houve sinais para uns, não para todos. Prepara-se agora o presidente para a campanha da reeleição, em 2022, sem definir que impacto buscará nas municipais deste ano.
Se a divisão nacional do eleitorado persistir nas eleições locais, o apoio do presidente será valioso, principalmente para ajudar um dos lados a se manter na liderança tocado pelo antipetismo e pela luta ideológica. Esses, Bolsonaro terá a seu lado no futuro. Se não, candidatos a prefeitos e vereadores podem se dispersar e procurar, cada um, seu séquito, seu financiador e sua aposta. As chamadas nominatas para vereador (listas de candidatos disponíveis à escolha do eleitorado) terão que ser diversificadas e com gente muito boa, é o que recomenda a regra não escrita da eleição sem coligação proporcional.
Há uma máxima preferida de cientistas políticos de formação diversa: deputados, senadores, governadores, presidente da República não são importantes para eleger prefeitos e vereadores. Seu peso está na capacidade de apoiar financeiramente os candidatos e passar-lhes prestígio, quando o têm. Mas prefeitos e vereadores são excelentes e imprescindíveis cabos eleitorais para deputados, senadores, governadores. É melhor respeitar este entrelaçamento de funções.
“Uma vez que toda eleição municipal é intermediária entre uma nacional anterior e uma nacional subsequente, ela revela um pouco da anterior e um pouco do que ocorrerá no futuro”, assinala o cientista político e sociólogo Antonio Lavareda. Para o professor David Fleischer, da UnB, “um partido que elege mais prefeitos elegerá mais deputados dois anos depois e vice-versa”. Assim, terá fundo partidário bem maior.
O professor e cientista político Paulo Kramer impõe nuances: “Essa hiperpolarização, com campanha em redes sociais, fatores novos condicionando as eleições, colocaram tudo de cabeça para baixo. Tínhamos indicadores seguros no passado, de que a eleição municipal era armação do cenário para as eleições nacionais. Agora isto não está tão claro.”