Ao submeter o Congresso aos seus desígnios, Bolsonaro logrou vantagens inesperadas
Contra fatos não há argumentos, diria o debatedor preguiçoso. Por isto, resumidamente: não foi pequena a conquista política de Jair Bolsonaro neste início do terceiro ano de sua inoperante gestão presidencial.
Ao submeter o Congresso aos seus desígnios, ungindo, a preços da União, os que viriam a ser os presidentes da Câmara e do Senado, o presidente logrou outras vantagens inesperadas. Implodiu um partido forte, o DEM, que transitou, em apenas 60 dias, do sucesso absoluto (eleições municipais) ao fracasso retumbante (rendição ao governo).
Ao fazê-lo, destruiu duas articulações já avançadas de seus adversários na disputa eleitoral de 2022.
Numa delas, atingiu os arranjos para o lançamento de uma candidatura viável de centro, dos quais o DEM era interlocutor privilegiado. Por esta fenda foram arrastadas as candidaturas de João Doria, Luiz Henrique Mandetta e Luciano Huck.
Noutra, conseguiu desafinar as cordas de uma orquestração para união das esquerdas na sucessão. Com a adesão do PT ao arrastão no Senado soou o alarme na praia onde devia estar o ex-presidente Lula.
Ordenou a Fernando Haddad se declarar candidato do PT à sucessão de Bolsonaro, de forma a guardar novamente sua vaga enquanto espera decisões judiciais.
O recado à militância e às bancadas foi, assim, entendido: nada de união, o PT terá candidato próprio. Com apenas um telefonema Lula ajudou Bolsonaro a firmar precocemente a polarização que ele vinha tentando, sem sucesso, reconstruir, para ser novamente o beneficiário do voto antipetista.
Dois candidatos desta frente reagiram. Ciro Gomes acusou a presunção petista de achar que um aceno seu à esquerda seguirá na direção apontada. Guilherme Boulos foi mais direto. Lembrou ao ex-presidente que ele transgrediu a filosofia da incipiente união: primeiro, o projeto conjunto, depois o nome do candidato.
Com este espetacular resultado, Jair Bolsonaro ainda não pode anunciar a conclusão de sua trama de espertezas. Falta eleger a deputada extremista Bia Kicis presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. A indicação foi imposta na mesa de negociação presidida pelo general Luiz Eduardo Ramos.
Implícitas nela, as fixações bolsonaristas para atender a freguesia de sua agenda de costumes, ou de maus costumes, para ser mais precisa. Caberá à deputada extremista submeter a maioria da sociedade às ansiedades do seu grupo íntimo.
Kicis encarna um repertório de radicalismo, reacionarismo, golpismo, que sintetiza o ideário dos grupos que o presidente quer favorecer nas decisões do Parlamento. No que dependia de sua capacidade de impor, Bolsonaro agiu sem limites. Estão aí as ruínas dos ministérios da Educação, da Saúde e do Meio Ambiente.
O controle da CCJ pela extremista mergulhará o País em debates que, obrigatoriamente, liberarão ódios, frustrações, confrontos, meandros onde ela, pregadora do fechamento do Congresso e da extinção do Supremo, prefere se ambientar. Numa ordem arbitrária se discutirá da ruptura com a volta do AI-5, como defende Eduardo Bolsonaro, à liberação do mercado já descontrolado de armas e munições, como quer Carlos Bolsonaro.
A excitação de temas marginais, que atraem proselitismo religioso por privilégios e concessões, por exemplo, ficará na conta dos 68% dos votos evangélicos que foram para Bolsonaro, já no primeiro turno, e precisam com ele ficar.
Dominado neste momento por sinais de volúpia do poder, Bolsonaro, ao escolher a deputada extremista, está ainda reforçando sua proteção. Desconfiado da natureza dos políticos do Centrão a quem entregou o poder, Bolsonaro quer ter na CCJ uma executiva fanática para barrar as CPIs da Pandemia e das Fake News, além do impeachment, caso o presidente da Câmara caia em tentação.
Seria Bolsonaro um gênio? Ou…