Ministra do STF cita falta de transparência; decisão que atinge Congresso será analisada pelo plenário da corte
Matheus Teixeira e Thiago Resende / Folha de S. Paulo
A ministra Rosa Weber, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou nesta sexta-feira (5) a suspensão das emendas parlamentares que são pagas a deputados e senadores e controladas pelo relator-geral da lei orçamentária que passa pelo Congresso.
Essas emendas têm sido manejadas por governistas com apoio do Palácio do Planalto às vésperas de votações importantes para o Executivo.
Antes da aprovação da PEC dos Precatórios, por exemplo, foi liberado R$ 1 bilhão em emendas desta natureza. Essa proposta permite a expansão de gastos públicos e viabiliza a ampliação do Auxílio Brasil prometido pelo presidente Jair Bolsonaro em ano eleitoral.
A decisão foi tomada em uma ação apresentada em junho pelo PSOL. A ministra afirmou que a suspensão é necessária porque esses recursos controlados pelo relator criam “um grupo privilegiado de parlamentares que poderá destinar volume maior de recursos a suas bases eleitorais”.
A magistrada disse ainda que falta transparência na destinação dessas emendas.
“Não há como saber quem são, de fato, os deputados federais e senadores da componentes desse grupo incógnito, pois a programação orçamentária utilizada por esse fim identifica apenas a figura do relator-geral”, disse.
A decisão será analisada pelo conjunto do STF na próxima semana. O julgamento será virtual e os ministros terão os dias 9 e 10 para subirem seus votos no sistema.
A suspensão dessas emendas, caso seja mantida pela corte, deve ampliar as dificuldades do governo para emplacar suas pautas no Parlamento.
A magistrada determinou que as emendas relativas ao exercício financeiro deste ano deverão ser “suspensas integral e imediatamente” até que o Supremo dê uma palavra final sobre o tema.
Como mostrou a Folha nesta quinta-feira (4), foram empenhados quase R$ 1 bilhão em emendas de relator entre os dias 28 de outubro e 3 de novembro, quando a PEC foi votada. O empenho é a primeira fase do processo para o dinheiro chegar nas bases eleitorais.
O texto-base foi aprovado em primeiro turno por 312 a 144. A expectativa é que os destaques e o segundo turno sejam apreciados na terça-feira (9).
Na semana passada, o governo não conseguiu alinhar a base da Câmara, presidida por Arthur Lira (PP-AL), para conseguir os 308 votos necessários para aprovar a proposta. Foi necessário ampliar a articulação com partidos aliados e também com deputados de siglas independentes e até de oposição.
O valor de R$ 1 bilhão, por exemplo, equivale ao que foi empenhado em todo o mês de setembro como emenda de relator.
As emendas liberadas às vésperas de votação PEC dos Precatórios atendem principalmente a obras (especialmente ligadas a estradas e asfaltamento), projetos no agronegócio e a área de saúde.
Para justificar a decisão, Rosa Weber citou relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) sobre os recursos controlados pelo relator da lei orçamentária e afirmou que “causa perplexidade a descoberta de que parcela significativa do orçamento da União Federal esteja sendo ofertada a grupo de parlamentares, mediante distribuição arbitrária entabulada entre coalizões políticas”.
O parecer da corte de contas mencionado afirma que houve um aumento em relação ao ano passado de 523% em relação às emendas de relator apresentadas e de 379% nas dotações consignadas.
“Enquanto no triênio 2017-2019 as emendas de relator-geral somaram R$ 165,82 bilhões, o que representou, em média, 70,3% do total de emendas apresentadas, em 2020, aquelas emendas totalizaram R$ 151,33 bilhões”, afirmou o TCU.
A ministra afirmou ainda que existe uma “diferença substancial” na execução das demais emendas em relação às de relator.
“Enquanto a execução das emendas individuais e de bancada permite a verificação da autoria das despesas e da equidade na distribuição dos recursos, o regramento pertinente às emendas do relator distancia-se desses ideais republicanos, tornando imperscrutável a identificação dos parlamentares requerentes e destinatários finais”, afirmou.
Rosa Weber afirmou que a destinação dos recursos ocorrem “por meio de acordos informais”.
Ela também disse que as verbas vinculadas às emendas de relator estão ocultadas em uma “rubrica orçamentária envergonhada de si mesma, instituída com o propósito de esconder por detrás da autoridade da figura do relator-geral do orçamento uma coletividade de parlamentares desconhecida”.
Esses recursos destinados aos parlamentares, segundo a magistrada, violam o princípio republicano e o regime de transparência no uso dos recursos públicos.
“Em suma, há uma duplicidade de regimes de execução das emendas parlamentares: o regime transparente próprio às emendas individuais e de bancada e o sistema anônimo de execução das despesas decorrentes de emendas do relator”.
Segundo a ministra, essas emendas foram instituídas em 2006 com o propósito de “conferir ao relator-geral do projeto de lei orçamentária os poderes necessários à organização do conjunto de modificações introduzidas na proposta legislativa inicial”.
Em 2020, elas ganharam novo formato. “Até o exercício financeiro de 2019, as despesas oriundas de emendas do relator não possuíam indicador de classificação orçamentária próprio”, disse.
Segundo ela, isso significa que, uma vez aprovado o projeto de lei orçamentária, “já não mais possível distinguir se as despesas nela previstas resultaram do projeto original ou de emenda do relator”.
A ministra afirma que as emendas de relator têm “expressivo valor de recursos públicos” que são executados sem observar “quaisquer parâmetros de equidade ou padrões de eficiência na eleição dos órgãos e entidades beneficiários dos recursos alocados”.
Com este argumento, a magistrada afirma que cabe ao STF derrubar a execução dessas verbas porque elas violam os princípios constitucionais da “legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/11/rosa-weber-do-stf-suspende-emendas-de-relator-no-congresso.shtml