O critério é claro: baixaria é permitida, mas cuidar de reformas pode ter custo político
Quarta-Feira de Cinzas poderá ser difícil, mas a grande ressaca virá uma semana depois, principalmente para os mais sóbrios, quando sair o balanço econômico do primeiro ano do governo Bolsonaro. Todas as prévias apontam crescimento abaixo de medíocre, parecido com o de 2018 ou até inferior ao desse ano infeliz, quando a crise no transporte e a incerteza política interromperam uma recuperação promissora. Algum desfile extemporâneo poderá chamar a atenção, no início de março, mas o mais fascinante será ouvir as explicações de Brasília sobre as contas nacionais de 2019.
Não se esperam novidades animadoras com a divulgação, no dia 4, do produto interno bruto (PIB) do ano passado. Segundo a prévia mais confiável, produzida pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), o PIB cresceu apenas 1,2%, pouco menos que no ano anterior, quando o avanço chegou a 1,3%. O presidente e seus auxiliares parecem conformados com os números pífios do começo de mandato. Mas o chefão do Planalto já se mostra nervoso, segundo se comenta em Brasília, com o risco de um novo fiasco em 2020, ano de eleições municipais e de construção de uma base para a busca de a reeleição presidencial.
Baixaria está longe de ser problema para o presidente, pelo menos diante de seus eleitores mais fiéis e dos apoiadores no charco digital. Esse comportamento, levado a novo recorde com as ofensas à jornalista Patrícia Campos Melo, pode ser visto como ponto positivo por esse público. Mas até esse auditório poderá ficar inquieto e menos favorável se a economia continuar em marcha lenta e o dinheiro permanecer curto. Por enquanto, os mais otimistas contam como feito importante a redução do desemprego.
Mas a redução, em um ano, foi de 11,6% para 11% da força de trabalho, com elevação para 11,8% durante o trajeto (no terceiro trimestre de 2019). A taxa média de desocupação recuou de 12,3% em 2018 para 11,9% no ano passado. Considerados só os extremos, os desocupados passaram de 12,1 milhões para 11,6 milhões, com melhoras muito limitadas no quadro geral.
No trimestre final de 2019, os trabalhadores subutilizados (os desocupados, os subocupados por insuficiência de horas e os pertencentes à força de trabalho potencial) eram 26,2 milhões. Em um ano houve redução de apenas 2,5%. Os informais chegaram a 38,4 milhões, 41,1% da população ocupada. Desde 2016 foi o maior número de pessoas ocupadas sem documentação.
As péssimas condições do mercado de trabalho combinaram com o baixo ritmo da atividade econômica, assunto desprezado pelo governo durante a maior parte do ano. Os primeiros incentivos entraram em vigor em setembro, com a liberação de recursos do Fundo de Garantia e do PIS-Pasep. Houve alguma aceleração do consumo, com reflexo moderado na indústria, mas em dezembro a atividade perdeu impulso, segundo os dados conhecidos até agora.
Com a perda de impulso no fim do ano e poucos sinais de reação em janeiro, economistas do mercado reduziram, neste mês, suas projeções de crescimento econômico em 2020. Na pesquisa Focus, publicada semanalmente pelo Banco Central (BC), a mediana das projeções de aumento do PIB caiu em quatro semanas de 2,31% para 2,23%. Para o período entre 2021 e 2023 essa estimativa está há muito tempo estacionada em 2,5% ao ano. Até esse número é um tanto otimista, porque envolve o pressuposto de um crescimento em torno do potencial da economia brasileira.
Há vários anos a expansão tem ficado bem abaixo desse padrão. Há até razões muito boas para se perguntar se o potencial será esse mesmo. Com tantos anos de investimento insuficiente para cobrir a depreciação do capital fixo – máquinas, equipamentos, instalações e infraestrutura –, a capacidade de crescimento pode ter diminuído. Nem se fale nas condições da mão de obra, agora dependentes, em boa parte, do ministro Abraham Weintraub, um dos principais, e mais inquietantes, indicadores de qualidade do governo Bolsonaro.
Dúvidas sobre o avanço da pauta de ajustes e reformas inquietam o mercado, como informou o Estado na quinta-feira. Já se fala em medidas para romper o teto de gastos. Multiplicam-se os atritos com o Congresso, agravados pelo general Augusto Heleno quando acusou parlamentares de chantagear o Executivo. Mas o fator mais importante é o horror do presidente às funções de governo. Ocupado quase só com a reeleição, ele tenta adiar ou evitar todo ato administrativo com potencial custo político.
O Congresso ainda espera o projeto da chamada reforma administrativa. Talvez seja enviado depois do carnaval. A hesitação, assim como as intervenções presidenciais em assuntos como esse e a reforma tributária, só se explica pelo interesse eleitoral. Por isso, e sem argumento técnico, ele rejeitou a ideia (ruim, a propósito) de recriação da CPMF. Por isso ele se opôs à inclusão da cerveja na base do “imposto do pecado”. Governar dá galho, deve pensar o presidente. Pode estar certo, mas é a função presidencial. E governar é diferente de cometer baixarias, assinar medidas provisórias inaceitáveis e dar prioridade à reeleição desde o primeiro ano de mandato.