Com a política de Biden, a relação entre comércio e meio ambiente poderá ganhar uma importância desconhecida até agora. Quem cuidará disso no governo?
O combate à mudança climática será um dos pontos centrais da diplomacia, da política de segurança nacional e dos planos econômicos do governo americano, anunciou ontem o presidente Joe Biden. O mesmo recado foi transmitido em sessão do Fórum Econômico Mundial pelo representante especial da Casa Branca para questões do clima e do ambiente, John Kerry, secretário de Estado no governo do presidente Barack Obama. Não há escolha, disse Kerry, entre criar empregos pelo crescimento econômico e cuidar do ambiente. Grandes empresários, acrescentou, já apontam o caminho. Em seguida citou, entre outros, o bilionário Elon Musk, fabricante de carros elétricos.
O anúncio dá uma nova dimensão à advertência feita pelo candidato Joe Biden, num debate eleitoral, sobre a devastação da Amazônia. Eleito, poderia contribuir com bilhões de dólares para a preservação da floresta ou impor restrições comerciais ao Brasil. Resposta do presidente Jair Bolsonaro: “Depois que acaba a saliva, tem de ter pólvora. Não precisa nem usar a pólvora, mas tem de saber que tem”.
O enviado John Kerry nem sequer mencionou o Brasil. Mas citou uma grande potência econômica e militar, a China, responsável, segundo ele, por 30% das emissões de carbono. Nenhuma rivalidade comercial, afirmou, ofuscará a união dos governos americano e chinês a favor de políticas sustentáveis. Dois dias antes do enviado da Casa Branca, o presidente da China, Xi Jinping, havia discursado em defesa do multilateralismo, da cooperação econômica, do respeito às normas internacionais e da colaboração contra a covid-19 e na busca de grandes objetivos comuns.
Os dois pronunciamentos afirmaram valores muito diferentes daqueles proclamados pelo presidente Donald Trump, seguidos por seu discípulo Jair Bolsonaro incorporados na diplomacia executada pelo ministro Ernesto Araújo. A reunião do Fórum de Davos, nesta semana, foi em parte uma celebração de uma era pós-Trump: proteção do ambiente, multilateralismo, cooperação contra a covid-19 e ação coordenada para uma economia mais verde foram bandeiras defendidas em várias sessões, a partir de vários ângulos.
Malsucedido em sua única participação numa reunião anual do Fórum, em 2019, o presidente Jair Bolsonaro decidiu novamente faltar. Foi substituído pelo vice-presidente Hamilton Mourão, escalado para uma sessão sobre a Amazônia.
Foi um evento morno, com presença de vários brasileiros, do presidente da Colômbia, Iván Duque, e do presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Mauricio Claver-Carone. Falou-se de planos para preservação da floresta, comentou-se o potencial econômico da região e o presidente do BID prometeu ajuda. Não houve críticas nem autocríticas.
O presidente Bolsonaro evitou os incômodos de participação no Fórum, mas terá de reconhecer, no dia a dia, os desafios da nova política americana. Muito ocupado com a reeleição e com seus assuntos familiares, provavelmente deixará as questões econômicas e diplomáticas para outras pessoas. Com a política de Biden, a relação entre comércio e meio ambiente poderá ganhar uma importância desconhecida até agora. Quem cuidará disso no governo?
*É JORNALISTA