Espetáculo da reforma tributária não promete ter bom desfecho
Para avaliar a nova mobilização de Brasília com a agenda de reforma tributária, é bom ter em conta as dificuldades que terão de ser enfrentadas.
Já há anos, tramitam na Câmara e no Senado dois projetos abrangentes de reforma da tributação sobre bens e serviços. Para que pudessem ter avançado, sem descarrilar, era preciso que o Planalto os tivesse endossado e feito sentir seu peso no Congresso. Mas o governo jamais escondeu sua falta de entusiasmo pelos dois projetos. E Bolsonaro nunca entendeu a importância de manter uma coalizão governista expressiva, que lhe permitisse ter ascendência sobre o Congresso.
A improvisada coalizão que, agora, Bolsonaro vem tentando formar, às pressas, tem propósito meramente pretoriano. O que o presidente espera do mambembe contingente parlamentar recrutado no centrão é proteção contra tentativas de impeachment. Só Deus sabe se os recém-alistados pretorianos servirão para isso. O certo é que, para mais que isso não tem servido, como bem atesta o triste placar de derrotas e derrubadas de vetos presidenciais que o Congresso vem infligindo ao Planalto.
Quase 19 meses se passaram até que o governo, afinal, apresentasse sua proposta de fusão do PIS e da Cofins numa só Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), cobrada sobre valor adicionado. Um projeto simples que, há muito tempo, poderia perfeitamente ter sido integrado às propostas de reforma mais abrangentes que já tramitam no Congresso. E não foi.
É bem sabido que a aprovação da CBS, como foi proposta, imporia aumento substancial de carga tributária a prestadores de serviços. E já se ouve a estridência dos protestos. O que preocupa é que tais protestos fazem parte do mirabolante plano de jogo do governo para novas etapas da reforma tributária. É com base no lobby dos grandes setores prestadores de serviços que o governo pretende, agora, solapar as resistências do Congresso à restauração de um tributo similar à CPMF, ideia em que o ministro da Economia continua tendo obsessiva fixação.
O aumento de carga tributária advindo da CBS seria compensado por redução da contribuição patronal sobre a folha, bancada pela receita de uma nova CPMF que, quem sabe, daria até para custear parte do programa Renda Brasil. Como as contas não fecham, vêm sendo mencionadas alíquotas de CPMF que variam de 0,2% a 1,1%. Numa economia onde a taxa real de juros está cada vez mais próxima de zero.
Nesse palco, o espetáculo da reforma tributária não promete ter bom desfecho. O que se vê é um governo fragilizado, sem poder de bloqueio no Congresso, disposto a desencadear uma reforma complexa, com cardápio aberto, que contempla farta distribuição de desonerações com base na “arrecadação fácil” de tributos exóticos. Acredita mesmo o ministro da Economia que, nesse jogo, conseguirá manipular a voracidade dos lobbies, aguçada pela severidade da crise, e manter sua reforma nos trilhos?
O que se teme é algo parecido com a deprimente pajelança da desoneração da folha, perpetrada pela inesquecível equipe de Dilma Rousseff. A estapafúrdia ideia inicial era permitir que alguns poucos setores, exportadores ou expostos à concorrência externa, deixassem de pagar contribuição patronal sobre a folha e passassem a recolhê-la sobre faturamento, com base em alíquotas fixadas setor a setor, conforme a grita de cada um.
A coisa desandou, quando o Congresso, fascinado pela alquimia, apossou-se do caldeirão e, para espanto dos impotentes aprendizes de feiticeiro, passou a distribuir a poção mágica de benesses a dezenas de outros setores. Entre eles, grandes prestadores de serviços, que nada tinham a ver com comércio exterior.
O primeiro governo Dilma terminou há mais de seis anos. E até hoje não se conseguiu pôr fim à farra fiscal que tal pajelança propiciou. Como bem sabe o ministro da Economia, ainda há 17 setores, muitos deles enormes, prestes a conseguir, no Congresso, que a moleza seja prorrogada por um “aninho” mais. É a esse Congresso que estará entregue a condução da reforma tributária.
*Economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio