Sucesso em áreas-chave para sairmos da crise depende de que o Brasil continue a ser percebido como um país sério
Que efeito uma nomeação desastrosa para a Funarte poderá vir a ter sobre o investimento estrangeiro em projetos de infraestrutura? Tivesse sido feita há um ano, tal indagação teria causado espanto e levantado sérias dúvidas sobre a sanidade de quem teria sido capaz de formular semelhante pergunta. Passados 12 meses, contudo, é triste constatar que a indagação já não parece tão estapafúrdia assim. Mas quem, em sã consciência, poderia imaginar no final do ano passado as proporções dos infindáveis desatinos que agora vêm pautando não só a gestão da Funarte, como a de muitos outros segmentos importantes do governo federal?
A Fundação Nacional de Artes é um órgão que tem como objetivo fomentar produção, prática, desenvolvimento e difusão das artes no País. Como amplamente divulgado, seu recém-nomeado presidente tem externado ideias ensandecidas sobre amplo leque de questões, nem sempre relacionadas ao campo de atuação da Funarte. Faz apaixonada profissão de fé na ideia de que a Terra é plana. E está convicto de que o rock é um gênero musical que induz ao satanismo.
O caso da Funarte merece atenção porque é emblemático. Não é um fato isolado. É apenas uma manifestação mais contundente de um problema bem mais geral, que tem dado lugar a ondas recorrentes de declarações despropositadas, feitas por pessoas completamente despreparadas para exercer os cargos nos quais foram investidas, em amplos segmentos da administração pública federal.
Entregue ao autoengano, boa parte do País tem feito o possível para fechar os olhos para tal problema, agarrando-se a uma racionalização já um tanto surrada: não obstante o quadro inegavelmente desalentador que se vê em grande parte da Esplanada dos Ministérios, o governo conta com ministros competentes nas áreas que de fato importam para a saída da crise, como economia, infraestrutura e agricultura.
A presunção implícita nessa racionalização é de que a probabilidade de que o governo tenha sucesso nessas áreas independe completamente do que vier a aprontar nas demais. Ou seja, que, sem incorrer em maiores custos, o governo pode se permitir manter, por quatro anos, um arranjo completamente esquizofrênico, com três ministérios bem tripulados e grande parte do resto da administração federal entregue à insensatez.
Sobram razões para perceber quão infundada é tal presunção. Sem ir mais longe, basta ter em conta que parcela importante do sucesso das políticas conduzidas pelos ministros da Economia, da Infraestrutura e da Agricultura deverá depender de um fator crucial: a manutenção de uma imagem positiva do País no exterior. Em bom português, será fundamental assegurar que o Brasil continue a ser percebido como um país sério.
Disso dependerão o sucesso do programa de privatização contemplado pelo ministro Paulo Guedes, a maciça participação de investidores estrangeiros em projetos de infraestrutura vislumbrada pelo ministro Tarcísio de Freitas e a expansão desimpedida das exportações brasileiras de produtos agropecuários, num mundo cada vez mais protecionista e atento à preservação do meio ambiente, pela qual se empenha a ministra Teresa Cristina.
Ao entregar a Funarte a um terraplanista confesso, convicto de que o rock induz ao satanismo, e se permitir infindáveis barbaridades análogas em grande parte da administração pública federal, inclusive no próprio Planalto, o governo vem expondo-se ao escárnio internacional. Aos poucos, a imagem do País no exterior vem sendo dominada por um frenético mosaico de despropósitos vexaminosos perpetrados pelo governo, que empana o que há de positivo a mostrar e torna cada vez mais difícil que o mundo continue a perceber o Brasil como um país que deva ser levado a sério.
A questão é se os segmentos mais lúcidos do governo já perceberam quão graves poderão ser os desdobramentos dessa marcha da insensatez. E se terão condições de conter o avanço das forças do atraso, do obscurantismo e do autoritarismo no Planalto. Fácil não será.