Governo precisa reformatar com urgência sua articulação com o Congresso Nacional
Na semana passada, o País acompanhou atônito a eclosão de ruidosos desentendimentos no seio do que se supunha ser o núcleo duro do governo. O que mais impressiona é como um presidente com formação militar deixou que uma escalada de desavenças palacianas menores escancarasse a tal ponto a cizânia que se estabelecera no Planalto, justo quando se esperava que o governo estivesse cerrando fileiras para enfrentar a grande batalha parlamentar cujo desfecho selará seu destino.
O episódio mostrou que a cúpula do governo continua operando como potente amplificador de crises. E não parece ser só uma questão de incontinência dos irmãos Bolsonaro. A personalidade peculiar do presidente e a desalentadora complacência com que vem tratando as destrambelhadas intromissões dos filhos em questões de Estado são partes cruciais do problema. E, por enquanto, nada indica que tais dificuldades estejam prestes a desaparecer.
No início desta semana, a crise palaciana parecia ter sido superada, com a substituição do titular da Secretaria-Geral da Presidência da República por mais um militar. Mas, já na terça-feira, a divulgação de trocas de mensagens entre Gustavo Bebianno e o presidente voltou dar alento à crise.
Paralisado por desavenças, o Planalto mostra-se alarmantemente despreparado para enfrentar com sucesso a batalha da reforma da Previdência, como bem mostrou a acachapante derrota, de 367 a 57, que sofreu na Câmara há poucos dias. Três semanas após o reinício das atividades do Congresso, o governo parece ter avançado pouco ou nada na montagem de uma base parlamentar respeitável, com as dimensões requeridas para aprovação de uma reforma da Previdência com a abrangência e a profundidade que o Ministério da Economia vem acertadamente contemplando.
Quanto a isso, nota-se gritante descompasso entre, de um lado, a rapidez com que o Ministério da Economia avançou na negociação da proposta de reforma dentro do governo e, de outro, a letargia que vem marcando as articulações políticas que deveriam redundar na construção de uma base governista confiável.
Não há dúvida de que a mobilização do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, com o esforço de aprovação da reforma é um dos maiores trunfos com que conta o governo. Mas será preciso bem mais do que o apoio de Maia para montar uma base aliada que possa dar conforto ao governo na tramitação da reforma. E, para isso, o Planalto terá de se dotar de uma capacidade de articulação política que ainda não tem.
Com a destituição de Bebianno, Onyx Lorenzoni passou a ser o derradeiro civil a ocupar cargo de primeiro escalão no Planalto. Mas parece cada dia mais claro que o ministro-chefe da Casa Civil não tem perfil adequado para dar conta da desafiadora articulação política que se fará necessária para a aprovação da reforma da Previdência.
Na excelente entrevista que concedeu ao Valor na semana passada (14/2), o ex-deputado Roberto Brant, que teve papel destacado na aprovação das reformas previdenciárias dos governos FHC e Lula, lembrou que “o maior adversário da reforma”, na Comissão Especial por ele presidida, em 2003, foi seu colega de partido Onyx Lorenzoni. O precioso depoimento de Brant sobre as dificuldades de tramitação da reforma merece ser lido com atenção tanto no Planalto como no Ministério da Economia.
Diante do atraso na montagem da base aliada, há quem argua que, como a reforma só deverá ser votada na Câmara em meados do ano, o governo ainda tem tempo de sobra. Ledo engano. Para que a reforma não seja mutilada já nas etapas iniciais de tramitação, é fundamental que desde o início sua aprovação pareça factível. O que só ocorrerá se as reais dimensões da base aliada puderem ser nitidamente vislumbradas tão logo quanto possível.
O governo não tem tempo a perder. Precisa encerrar de vez as desavenças internas e reformatar a toque de caixa sua articulação com o Congresso. Terá o Planalto disposição e agilidade para promover a tempo as mudanças que se fazem necessárias?
*Economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio