É preciso resistir à tentação de afrouxar o teto de gastos para aliviar o incômodo do aperto fiscal progressivo
Nos próximos meses, a condução da política econômica estará submetida a crescente pressão política, de dentro e de fora do governo. Há dois pontos de tensão em que o risco de fadiga deve ser monitorado com atenção: a impaciência com a demora de uma recuperação mais vigorosa da economia e o desgaste decorrente do aperto fiscal progressivo, que vem estreitando de forma muito rápida o espaço para despesas discricionárias no Orçamento.
Para não ter de submeter as convicções do presidente a um teste de esforço mais exigente do que a prudência recomendaria, o Ministério da Economia terá de se desdobrar para tentar aliviar, na medida do possível, as tensões provenientes desses dois pontos. O que estará em jogo é a sustentabilidade política do programa econômico em curso.
Dos dois pontos de tensão, o de alívio menos problemático parece ser o que decorre da impaciência com a demora de uma recuperação mais vigorosa da economia. Mesmo com toda a desestabilização política que tem emanado no Planalto, alguma aceleração do crescimento da economia parece estar a caminho.
Bem mais difícil será aliviar o desgaste imposto pelo aperto fiscal progressivo que, em decorrência do teto de gastos e da expansão ainda descontrolada de despesas obrigatórias, vem exigindo contração cada vez mais drástica de gastos discricionários. O desafio, claro, é conseguir viabilizar tal alívio sem comprometer o esforço de ajuste fiscal que hoje se faz necessário.
É preciso resistir à tentação de afrouxar o teto de gastos para aliviar o incômodo do aperto fiscal progressivo. Não há como ter ilusões a respeito: o teto de gastos é o esteio do círculo virtuoso que, aos poucos, parece estar ganhando força com a aprovação da reforma da Previdência, apesar da permanência de um quadro fiscal em que as contas públicas ainda estão longe de parecer sustentáveis.
Por sorte, o Ministério da Economia não dá mostras de ter qualquer dúvida quanto a isso. O que vem contemplando, para tentar aliviar e reverter o aperto fiscal progressivo em curso, é algo mais do que defensável: um amplo esforço de flexibilização dos orçamentos da União, dos estados e dos municípios, com medidas ousadas de desvinculação, desindexação e desobrigação.
Seria desavisado, contudo, subestimar a força dos interesses contrariados que terão de ser enfrentados para que haja avanços importantes nessas três frentes. É improvável que, a esta altura, a batalha política que se fará necessária possa ser levada a bom termo com base numa retórica abstrata de defesa da flexibilização dos orçamentos, por mais corretos que possam estar os argumentos. Para que seu esforço de convencimento tenha chance razoável de sucesso, o governo terá de saber dar concretude e conotação positiva a suas propostas.
Não bastará arguir que se tornou crucial sustar a contração progressiva de gastos discricionários e abrir espaço para um aumento substancial de despesas de investimento no Orçamento da União. O embate no Congresso teria de ser travado em torno de uma proposta muito mais concreta e promissora: liberação de recursos orçamentários para viabilizar um programa específico de investimento, cuja prioridade comande amplo e inequívoco consenso no país. Quanto maior o montante liberado, mais ousado seria o programa.
O governo poderia, por exemplo, comprometer-se a usar a maior parte da ampliação do espaço para despesas de investimento, propiciada pelo esforço de desvinculação, desindexação e desobrigação, para alavancar a expansão da infraestrutura de saneamento básico em áreas especialmente carentes.
Se a proposta tivesse esse grau de concretude, o embate no Congresso tenderia a assumir uma conformação muito mais conveniente ao avanço da flexibilização.
Os custos de preservação dos interesses encastelados na rigidez do Orçamento teriam de ser contrapostos, às claras, aos benefícios de um programa de investimento inequivocamente prioritário, com amplo apoio parlamentar. Seria outro jogo.