A política de distanciamento social só vai ter sucesso com apoio maciço da população
O coronavírus vem pondo à prova a capacidade de ação coletiva eficaz nos países afetados. Os que souberam se antecipar no combate à pandemia, como Japão, Taiwan e Coreia do Sul, têm mostrado desempenho superior ao da China e da Itália, onde a epidemia tem sido bem mais devastadora.
Quando a China, afinal, se deu conta da gravidade da crise e anunciou medidas drásticas de estrito confinamento de 60 milhões de pessoas, a reação inicial do resto do mundo foi atribuir medida tão extrema à brutalidade do regime autocrático chinês. O que, de fato, fez soar o alarme foi ter a Itália, semanas depois, adotado medida similar. Mesmo diante das enormes dificuldades de confinar toda a população do país, numa democracia tão complexa, prevaleceu no Parlamento italiano o cálculo político de que a medida era inevitável. Ficou mais do que claro que tanto a Itália quanto a China haviam se dado conta de algo que o resto do mundo ainda não percebera.
A política de distanciamento social vem sendo replicada em boa parte da Europa e nos EUA. O nome do jogo é conseguir atenuar o crescimento exponencial da disseminação do vírus, de forma a que o número de casos graves se mantenha compatível com a limitada capacidade de tratamento adequado disponível no sistema de saúde. Redistribuir no tempo o impacto da pandemia para impedir que o sistema de saúde entre em colapso.
O Brasil tem a vantagem de só agora ter sido atingido pela epidemia. Como late comer, tem muito a aprender com a experiência dos antecessores. Para levar esse jogo adiante com sucesso, será preciso, em primeiro lugar, claro, que o governo, especialmente na área federal, saiba atuar com competência.
Quis o destino ou, quem sabe, um dos deuses da sorte, que, entre tantos ministérios tão mal tripulados, a pasta da Saúde tenha caído em boas mãos. Tem sido uma grata surpresa para o país constatar que o ministro Luiz Henrique Mandetta e sua equipe parecem à altura dos desafios que terão de ser enfrentados. O que, sim, preocupa, e vem sendo motivo de justa e generalizada indignação, é a espantosa leviandade com que o presidente Bolsonaro vem lidando com a questão.
Além de competência do governo, o sucesso na contenção da epidemia deverá exigir que o país se mostre capaz de levar adiante, com eficácia, um gigantesco esforço de ação coletiva. A política de distanciamento social só terá os resultados que dela se espera se puder contar com apoio maciço da população. E, quanto a isso, sobram razões para apreensão.
São bem estudadas, em economia, as dificuldades de ações coletivas em grande escala. Muito fáceis de perceber no caso em pauta. Não há no país quem não queira que a epidemia seja prontamente debelada. Mas cada pessoa mostra disposição distinta de incorrer nos custos que dela serão requeridos para que isso ocorra. Há quem queira deixar a outros o ônus do distanciamento. Quem prefira pautar seu comportamento pela taxa de mortalidade de pessoas da sua faixa etária específica. E, ainda, quem considere proibitivos os custos em que teria de incorrer para participar desse esforço coletivo. Tudo isso conspira contra a adesão maciça da população, condição necessária para que a epidemia seja debelada, objetivo comum de todos.
Há fatores óbvios a ter em conta, para entender como diferentes países podem lidar de forma distinta com o desafio de ação coletiva envolvido do combate à epidemia: o nível de coesão social, a equidade na distribuição de renda, as virtudes cívicas da sociedade e o grau de discernimento dos seus cidadãos.
Salta aos olhos que estamos fadados a ter mais dificuldades que a Itália. É fundamental que, em tempo hábil, saibamos compensar nossas deficiências em cada um desses fatores, com campanhas maciças de esclarecimento dos menos informados, mitigação dos custos em que terão de incorrer os segmentos mais desfavorecidos da população e, se não for sonhar demais, articulação de apoio suprapartidário inequívoco às medidas que se fazem necessárias à contenção da epidemia.