Quem tem de ser assombrado com o espectro de uma reforma pífia é Bolsonaro
Incutir no país o senso de urgência requerido para que a reforma da Previdência seja aprovada tem sido o grande desafio da equipe econômica do governo. E é natural que a campanha de persuasão tenha exigido certo grau de atemorização da opinião pública e do Congresso com as perspectivas desoladoras com que se defrontará o país, caso uma reforma abrangente, com potência fiscal adequada, se mostre, afinal, inviável.
Ao dar força redobrada à campanha conduzida pela equipe econômica do governo anterior, Paulo Guedes vem obrigando o país a fazer uma reflexão incômoda, procrastinada há décadas, sobre a insustentabilidade do quadro fiscal. E é inegável que boa parte da quebra de resistência à reforma adveio da disseminação de uma compreensão mais clara do que poderá ocorrer, caso os gastos previdenciários não possam ser contidos.
A esta altura do jogo, contudo, seria um erro supor que o segredo da viabilização de uma reforma da Previdência com potência fiscal adequada seja nova escalada de atemorização do país com cenários de fiasco da reforma. De um lado, há boas razões para crer que a tática de amedrontamento já tenha passado do ponto. Que seus efeitos colaterais já a tornaram disfuncional. De outro, parece claro que o verdadeiro entrave remanescente à aprovação da reforma não será removido pela aterrorização da opinião pública com os possíveis desdobramentos da não aprovação.
Na sexta-feira passada, o país foi alvoroçado pela divulgação de uma entrevista de Paulo Guedes à revista “Veja”. Tendo alertado que “se não fizermos a reforma, o Brasil pega fogo”, o ministro ameaçou: “Se só eu quero a reforma, vou embora para a casa… pego o avião e vou morar lá fora”. As reações de Bolsonaro não tardaram. De início, em tom defensivo: “Paulo Guedes está no direito dele. Ninguém é obrigado a ficar como ministro meu.” E, em seguida, fazendo coro com Guedes: “Se for uma reforminha ou não tiver reforma, não precisa mais de ministro da Economia, porque o Brasil pode entrar em um caos econômico. Ele vai ter que ir para a praia, vai fazer o que em Brasília?” (O GLOBO, 25/5)
Não se sabe que propósito podem ter tido explicitações tão espalhafatosas da extensão da insegurança do governo com a aprovação da reforma. Certamente não ajudaram a torná-la mais provável. Mas seus efeitos colaterais danosos saltam aos olhos. Ao brandir a iminência do caos, ajudaram a atrofiar ainda mais o que restava do já raquítico crescimento da economia. Levará algum tempo até que se possa entender com clareza por que o círculo virtuoso de recuperação da economia, antevisto no início do ano, se mostrou tão decepcionante. Mas, entre as possíveis explicações, não poderá deixar de constar o efeito deletério da atemorização exagerada do país a que o governo recorreu, para viabilizar a reforma da Previdência. Não tendo conseguido produzir uma narrativa crível de aprovação da reforma, o governo tentou compensar essa falha com uma atemorização desmesurada, que teve impacto devastador sobre decisões de investimento.
E por que o governo não conseguiu produzir uma narrativa crível? Porque não teve como explicar como seria contornado o verdadeiro entrave à aprovação da reforma. A principal dificuldade que vem sendo enfrentada pela reforma não advém mais da falta de senso de urgência da opinião pública e do Congresso e, sim, da gritante incapacidade do governo de mobilizar o vasto apoio parlamentar de centro direita com que poderia contar.
Bolsonaro ainda não conseguiu entender que, no Brasil, presidencialismo de coalizão não é opção. E, sim, a única forma possível de governar o país. É esta falha de entendimento que tem impedido o governo de construir uma narrativa crível de aprovação da reforma da Previdência.
Não adianta tentar compensar essa deficiência com uma escalada de aterrorização da opinião pública, dos investidores e do Congresso. Quem tem de ser assombrado com o espectro de uma reforma pífia é o próprio Bolsonaro. E é melhor que seja atemorizado intramuros. Não em público.