Presidente já não esconde entusiasmo com expansão do gasto público
A divulgação, pelo IBGE, dos dados mais recentes de evolução do nível de atividade impôs um choque de realidade que nos ajuda a perceber, com a devida nitidez, as reais proporções da crise que o país enfrenta.
O que agora se sabe é que o PIB já tinha sofrido queda de 2,5% no primeiro trimestre deste ano, quando os desdobramentos econômicos da pandemia mal começavam a se fazer sentir. E que, no segundo trimestre, sofreu contração adicional de nada menos que 9,7%.
Já extenuado por longa e profunda recessão, com queda de 8% no PIB, entre 2014 e 2016, e por três anos de crescimento medíocre, entre 2017 e 2019, o país se vê, agora, às voltas com nova e vertiginosa queda do nível de atividade. O que se estima é que, mesmo que o movimento recessivo seja atenuado no segundo semestre, como se espera, o recuo do PIB, em 2020, possa ser da ordem de 5%.
Constatação tão desalentadora dá um fecho melancólico ao período de 120 anos para os quais se tem dados minimamente aceitáveis sobre a evolução do PIB real no Brasil. E, por isso mesmo, ganha realce se percebida de uma perspectiva de longo prazo.
Uma periodização muito simples, que meramente decomponha essas 12 décadas em três períodos de 40 anos, já se revela altamente elucidativa. A taxa anual média de crescimento do PIB foi de cerca de 4%, entre 1901 e 1940. E de mais de 7%, entre 1941 e 1980. Mas de não mais que 2%, entre 1981 e 2020. Salta aos olhos que, nas últimas quatro décadas, o dinamismo da economia foi perdido. Simplesmente desapareceu.
Os dados dos últimos dez anos são especialmente desanimadores. Se a recessão de 2020 for, de fato, da ordem de 5%, a taxa anual média de crescimento real do PIB, no período 2011-2020, ficará próxima de zero. Ou seja, a economia voltará a ter este ano o PIB que tinha em 2010. E, tendo em conta o crescimento demográfico, o PIB por habitante de 2020 deverá ser mais de 8% menor que o de 2010. Uma boa medida das proporções trágicas da perda de dinamismo da economia na última década.
Ao contemplar as razões para tamanho fiasco, não há como deixar de lembrar que a conta do descarrilamento da economia, na esteira do descalabro fiscal do governo Dilma Rousseff, continua em aberto. A estratégia de superação da crise de confiança, causada por descontrole tão escancarado das contas públicas, baseou-se na assunção de um compromisso, inscrito na Constituição, de estrito respeito à rígida limitação à expansão do gasto público.
A presunção era que, só assim, seria possível dar credibilidade ao argumento de que o esforço requerido de mudança do regime fiscal não precisaria ser feito de imediato. Que poderia ser viabilizado de forma paulatina, desde que houvesse persistência no avanço das reformas fiscais que se faziam necessárias.
Mas a verdade é que, passados 20 meses do governo Bolsonaro, o compromisso com a preservação do teto de gastos vem sendo rapidamente erodido. O presidente já não esconde seu entusiasmo com as possibilidades eleitorais da expansão do gasto público. Vem dando claro alento às ideias da ala desenvolvimentista do governo. E não disfarça seu fascínio com a possibilidade de turbinar o Bolsa Família e transformá-lo num novo programa — Renda Brasil —, que possa substituir com sucesso o auxílio emergencial, quando for suspenso, no final do ano.
Por enquanto, o governo vem tentando dissimular as divergências. Diante do impasse, na disputa entre o Ministério da Economia e o Planalto, vem se refugiando na indefinição. Adia recorrentemente a apresentação de propostas de reforma prometidas ou opta, como no caso da reforma administrativa, por uma proposta desdentada, que, ao poupar os atuais servidores, deixa de ter impacto sobre as contas públicas no horizonte relevante.
Mas não há como alimentar ilusões. A batalha mais importante que vem sendo silenciosamente travada em Brasília é a que se dá em torno da preservação do teto de gastos. E o que se teme é o que o Ministério da Economia esteja sendo derrotado aos poucos. Em câmera lenta.