Em meio à grave crise fiscal que vive o país, a perda da receita proveniente de encargos sobre a folha terá de ser compensada
Com o país à espera da proposta de reforma da Previdência que o governo afinal submeterá ao Congresso, a Secretaria Especial da Receita vem adiantando alternativas de reforma tributária com que vem trabalhando. Duas delas causam preocupação.
O governo quer desonerar a folha de pagamentos. Mundo afora, a Previdência Social vem sendo financiada com encargos sobre a folha. Mas o governo está convencido de que são os encargos sobre a folha que vêm preservando a informalidade no mercado de trabalho e entravando a expansão do emprego.
Em meio à grave crise fiscal que vive o país, a perda da receita proveniente de encargos sobre a folha terá de ser compensada. A questão é encontrar fonte alternativa de financiamento numa economia já escandalosamente sobretaxada. Algo mais terá de ser onerado para que a folha seja desonerada. Quem arcará com a tributação compensatória que terá de ser imposta? Não é uma indagação que parece preocupar o governo. O que se aventa em Brasília é recorrer a tributos primitivos, de coleta fácil. Impostos cumulativos, cobrados em cascata, altamente ineficientes e com incidência sabidamente difusa e incerta.
A contribuição patronal sobre a folha seria preferencialmente substituída ou por um imposto de alíquota única incidente sobre faturamento das empresas ou por um “imposto sobre pagamentos, que atingiria todo o fluxo de caixa das empresas”, como esclareceu o secretário especial da Receita (“Valor”, 21/1). Tanto uma alternativa como outra representariam retrocessos lamentáveis, na contramão do esforço de reforma tributária que hoje se faz necessário no país.
Contribuição patronal cobrada sobre faturamento das empresas não chega a ser novidade. Foi introduzida pela inesquecível equipe de Dilma Rousseff, num arranjo de alíquotas fixadas caso a caso, ao sabor da grita e do lobby de cada setor. Implantada inicialmente em setores escolhidos a dedo, teve de ser estendida a muitos outros, sob pressão do Congresso.
A experiência configurou deplorável degradação do sistema tributário, na contracorrente de anos de esforço de eliminação da tributação cumulativa no país. E, não obstante o louvável empenho da equipe econômica do governo Temer, a cobrança de contribuições patronais sobre faturamento não pôde ser completamente eliminada. Subsiste ainda em setores com mais influência no Congresso. É espantoso que volte agora a ser contemplada pelo governo.
Tampouco chega a ser novidade a tributação sobre movimentação financeira, agora disfarçada sob o manto de um “imposto sobre pagamentos, que atingiria todo o fluxo de caixa das empresas”, talvez para escapar da notória ojeriza de Jair Bolsonaro à CPMF, forjada no embate de 2007, quando o Congresso, em boa hora, negou-se a aprovar a prorrogação da cobrança do tributo proposta pelo presidente Lula.
Nunca é demais lembrar, recorrendo a uma conta simples, o que há de errado com a CPMF. Quando deixou de ser cobrada em 2007, com alíquota de 0,38%, a contribuição permitia arrecadar R$ 38 bilhões. Dividindo-se a arrecadação pela alíquota chega-se à fabulosa base fiscal sobre a qual incidia a contribuição. Nada menos do que R$ 10 trilhões. Valor correspondente a quase quatro PIBs da economia brasileira em 2007.
A mágica decorre da incidência em cascata da CPMF, que dá lugar a uma base fiscal fictícia, sem contrapartida econômica real, em contraste com o que ocorre com formas mais civilizadas de tributação, que incidem sobre renda, consumo, valor adicionado, folha de pagamento e riqueza. Uma alíquota “pequena” sobre uma base gigantesca e artificial. O sonho da tributação populista. É inacreditável que, a esta altura, ainda haja quem continue a defender a recriação de tributos sobre movimentação financeira.
São propostas impensadas, que pecam pelo escapismo, ao tentar passar ao largo da complexidade do problema. Não há atalhos e soluções mágicas no duro caminho de racionalização do sistema tributário que o país tem pela frente.