Aprovação da contribuição seria derrota da ala parlamentar mais lúcida
Com sua obsessiva fixação pela recriação da CPMF, o ministro da Economia não só vem tumultuando o esforço de reforma tributária do Congresso, como arrisca dar força decisiva à coalizão contrária à preservação do teto de gastos. É fácil entender por quê.
Nunca é demais relembrar o que há de profundamente errado com a CPMF. Em 2007, último ano em que foi cobrada, com alíquota de 0,38%, a extinta contribuição permitiu que o governo arrecadasse nada menos do que R$ 36,5 bilhões. A divisão do valor da arrecadação pela alíquota de 0,0038 revela o assombroso valor da base fiscal sobre a qual incidia a CPMF: R$ 9,6 trilhões. Cifra mais de três vezes e meia o PIB de 2007!
A mágica decorria da incidência em cascata da CPMF, que dava lugar a uma base fiscal fictícia, sem contrapartida econômica real, em contraste com o que ocorre com formas mais civilizadas de tributação, que incidem sobre renda, consumo, valor adicionado, folha de pagamento e riqueza. Uma alíquota “diminuta” sobre uma base gigantesca e artificial. O sonho da tributação populista.
Mas Paulo Guedes continua obcecado. Quer porque quer que o Brasil se junte ao grupo exclusivo de países nada exemplares que impõem esse tipo de tributo: Argentina, Bolívia, Peru, Colômbia, Honduras, República Dominicana, Venezuela, Hungria, México, Paquistão e Sri Lanka.
No afã de quebrar resistências à recriação da CPMF, o ministro deixou de lado sua proposta mais simples de compensar, com a receita do novo tributo, a perda de arrecadação que adviria da redução de encargos sobre a folha. A CPMF passou a ser vendida agora como um tributo de 1.001 utilidades que, além da desoneração da folha, permitiria bancar novos dispêndios, como o programa Renda Brasil e até mesmo, assegurou Guedes, “reduzir, cinco, seis, sete, oito, dez impostos”.
O ministro não percebeu que está brincando com fogo. Sua tentativa de quebrar as resistências do Congresso à criação da CPMF pode acabar tendo três desfechos distintos. No primeiro cenário, tais resistências se mostrariam insuperáveis. No segundo, o ministro teria pleno sucesso. Convenceria o Congresso não só a recriar a CPMF, como a dar à receita do novo tributo as exatas destinações que Guedes tem em mente.
Mas há ainda um terceiro cenário, altamente provável, que parece ter escapado a ele. É bem possível que o Congresso, afinal, se encante com as múltiplas possibilidades desse tributo de tão “fácil arrecadação” que é a CPMF. E tão encantado fique, que prefira tomar para si a tarefa de alocar como bem entender a “folga fiscal” que deverá advir da receita do novo tributo. Quando se trata de distribuir benesses, o Congresso tende a dispensar tutela. Prefere suas próprias ideias.
A aprovação da CPMF representaria séria derrota da ala parlamentar mais lúcida, que vem tentando vertebrar a agenda de reforma fiscal. E deixaria a Câmara e o Senado muito mais propensos a compactuar com uma condução irresponsável da política fiscal, num quadro em que, é bom lembrar, o governo não tem nenhum poder de bloqueio no Congresso.
A preservação do teto tem sido ajudada pela percepção de que não há disponibilidade de recursos fiscais para bancar uma expansão de gastos. Com a CPMF, tudo pareceria mais fácil. Bastaria uma “pequena” elevação de alíquota para abrir amplo espaço para gastos adicionais.
Dentro do próprio governo, ganham corpo as pressões contra o teto de gastos. Ministros influentes se batem pela expansão de investimentos públicos. Generais querem que projetos militares sejam excluídos do teto. E o próprio presidente, já em campanha aberta, parece fascinado com a possibilidade de turbinar o Bolsa Família e se transformar em novo Lula, no Nordeste.
A menos que o plano de jogo tenha passado a ser reeleger Bolsonaro a qualquer custo, com apoio da pior parte do centrão, o ministro deveria se preocupar com quão desastroso poderá lhe ser o terceiro cenário, caso ainda pretenda retomar a agenda fiscal anterior à pandemia.