Esse enorme abacaxi caiu no colo de Bolsonaro, cuja propaganda andou dizendo “pode Jair se acostumando”. Mas se não resolver esse e outros graves problemas, virá o “Jair já era”.
Jair Messias Bolsonaro, capitão reformado do Exército, enfrentará em Brasília muitos e grandes problemas. Alguns, de enorme magnitude e de difícil solução, são carentes de reformas específicas, como a previdenciária e a tributária.
Mas ele precisa fazer também uma reforma de si mesmo, começando por cair na real e perceber que sua vitória não resultou de sua genialidade. Como disse o filósofo espanhol Ortega y Gasset, o ser humano é ele e as circunstâncias. Ou seja, suas ações pessoais são importantes, mas circunstâncias favoráveis ou não também podem contribuir, e muito, para seu sucesso ou fracasso. Bolsonaro foi claramente beneficiado por uma onda de descrença e desilusão com políticos tradicionais e com o lulopetismo. Essa onda veio também da insatisfação com a crise econômica, que entre outras mazelas trouxe enorme desemprego. Some-se a isso a corrupção endêmica, também envolvendo políticos, que, felizmente, passou a ser desnudada pelo Judiciário. E a falta de segurança que grassa pelo País, entre outros aspectos. Até a facada que sofreu em Juiz de Fora, um episódio lamentável, revelou-se circunstância favorável, pois estimulou a compaixão e a solidariedade de muitos eleitores e o poupou de debates de alto risco com outros candidatos.
O talento de Bolsonaro esteve em perceber essa onda favorável e surfar nela para que o povo o sufragasse nas urnas. Não é pouca coisa, mas sem essas circunstâncias o cenário eleitoral poderia ter sido outro. No fim, ele ganhou a eleição, mas também a imensa responsabilidade do cargo de presidente e dele se esperam soluções para os muitos e graves problemas de que o Brasil padece.
Ao reformar-se também precisaria aumentar, e muito, o tamanho do seu curtíssimo pavio. E não se iludir com essa conversa de mito, merecedora de um pito. Outro ponto importante seria dispor-se a discutir assuntos sem opiniões preconcebidas, ou mesmo erradas, o que, aliás, se estende a membros do seu núcleo duro. Por exemplo, o deputado Onyx Lorenzoni, cotado para a chefia da Casa Civil, disse há dias que o projeto de reforma previdenciária de Temer, em exame no Congresso, é uma “porcaria”. Mas depois, na terça, dia 30, os jornais noticiaram que Bolsonaro quer negociar com Temer a aprovação imediata de pelo menos uma parte desse projeto. O que seria correto, pois ele tem muitos méritos.
Muita gente não gosta de Bolsonaro, que teve 39,2% do número total de eleitores, que inclui votos em branco, nulos e abstenções, revelando que não é a unanimidade que muitos imaginam. Mas teve maioria (55,1%) dos votos válidos e democracia é isso. Espero que tenha êxito em tirar o Brasil da encrenca em que se meteu por obra e desgraça do lulopetismo, além de começar a afastá-lo de uma estagnação econômica que já está próxima de completar quatro décadas e o deixou para trás no contexto dos países emergentes. Mas no curto prazo de seu mandato o objetivo imediato deve ser o de superar a crise que prostrou a economia desde 2015 e aumentou o desemprego e a pobreza.
E vai ser muito difícil. Por isso, na reforma de si mesmo também seria importante preparar-se para a gestão pública, em que não tem experiência. E essa gestão é de alta complexidade. O governo federal é o maior ente econômico do País, está em seriíssimas dificuldades orçamentárias e só não chegou à lastimável situação de alguns Estados, como Rio, Minas e Rio Grande do Sul, onde se registram até atrasos de salários, porque não tem limite de endividamento. Seus altos déficits viram mais dívida acumulada. Se continuar nessa rota, vai quebrar mais à frente, quando os credores derem um basta no endividamento forte e ininterrupto.
O que viria com essa quebra? Entre outras consequências, o dólar subiria muito, agravando o problema inflacionário e exigindo medidas recessivas no sentido contrário. O governo também poderia, num incesto financeiro, emitir mais dinheiro para se financiar, igualmente levando a movimentos do dólar e da inflação na mesma direção. E assim viria outra crise sobre a crise ainda em andamento, complicando demasiadamente a situação.
Na questão administrativa, inexperiente, ele não tem o que reformar. Deve delegar muito, mas preservar para si a missão que cabe ao presidente, a de liderança do processo de transformações, buscando soluções, motivando seus auxiliares, cobrando providências e desempenho. Numa foto recente, ele estava diante de uma mesa onde mostrou quatro livros que presumivelmente anda lendo: a Constituição, uma Bíblia em linguagem contemporânea, um livro sobre as memórias de Churchill – um grande modelo de liderança – e um do filósofo Olavo de Carvalho, importante mentor da direita brasileira. Caberia um sobre gestão pessoal e de negócios, a meu ver também aplicável a governos, e pensei no Stephen Covey, Os 7 Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes (Rio de Janeiro, Best Seller, 2014). Lançado em 1989, já teve mais de 25 milhões de exemplares vendidos internacionalmente, tendo sido considerado pela revista Forbes o livro mais influente na sua área no século 20.
Uma de suas lições ensina que a boa gestão deve dar prioridade a questões urgentes e importantes, mas também é preciso cuidar das importantes e não urgentes, pois com o passar do tempo podem passar à primeira categoria, numa situação agravada por soluções procrastinadas. É o caso do problema previdenciário no Brasil. Empurrado com a barriga por sucessivos presidentes e pelo Congresso, acabou por se tornar um problema crônico e de solução cada vez mais difícil, agora tão importante como urgente.
Esse enorme abacaxi caiu no colo de Bolsonaro, cuja propaganda andou dizendo “pode Jair se acostumando”. Mas se não resolver esse e outros graves problemas, virá o “Jair já era”.
* Economista (Ufmg, Usp e Harvard), é consultor econômico e de ensino superior